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A tradicional participação do Brasil na abertura da assembleia-geral da Organização Nações Unidas (ONU) tem atraído ainda mais holofotes neste ano. A expectativa é diante do teor que deve embasar o discurso do presidente Jair Bolsonaro (PSL), nesta terça-feira (24), uma vez que o perfil do chefe brasileiro é diferente do dos últimos gestores que conduziram as falas no evento internacional. 

Especialistas apontam que, apesar do perfil de confrontacionista, em Nova York Bolsonaro deve ressaltar a soberania nacional e a atuação do governo diante da Amazônia sem fazer ataques diretos e personalizar as críticas, como aconteceu nos últimos dias, por exemplo, com o presidente da França, Emmanuel Macron, com quem Bolsonaro trocou farpas públicas. 

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“O peso do discurso de Bolsonaro é alto, mas ele precisa fazer um que não seja tão ofensivo. A postura de Bolsonaro vai ser importante para a imagem que ele tem e vai construir do Brasil. Essas imagens estão um pouco descoladas, porque os ataques que estão sendo direcionados nos últimos tempos são a ele e não ao país. Ele pode melhorar ou piorar a imagem do Brasil, mas a ideia é que ele utilize essa tribuna para atuar na defesa dos nossos interesses e ter uma postura mais conciliatória”, observou o cientista político Antônio Henrique. 

Na mesma linha, o cientista político Elton Gomes salientou que o presidente “não fará um discurso confrontacionista” e sua fala “não vai ser de enfrentamento total”, mas “parte convidativo e parte protocolar”, com “suas pitadas de retórica” bem particular. 

Estudioso também da política internacional, Gomes ponderou acreditar que o chefe do Executivo brasileiro será “duro contra a Venezuela e o combate internacional à corrupção, mas vai fazer uma critica mais branda aos europeus”.

“Vai ser um discurso que ele vai querer mostrar que houve uma situação grave na Amazônia, que o Brasil esteve imerso em uma crise econômica, mas está saindo, como mostram os números, e o Brasil continua sendo um bom destino para prática de investimento. Não vai colocar nada que ataque a república da China e vai fazer um aceno aos EUA, país que ele está mais alinhado no ponto de vista da retórica política”, projetou o cientista político. 

“A nossa diplomacia é de comércio, não é baseada em questões ideológicas e securitárias, esses são temas menores. E quem faz comércio não pode ter aliados incondicionais nem inimigos declarados”, acrescentou Gomes.

A expectativa ainda é que a fala de Jair Bolsonaro na reunião com os líderes estadistas não seja extensa e a exposição dele seja menor do que os apresentados pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

Desde 1949, o Brasil abre o debate central da assembleia da ONU, mas nem sempre os discursos foram feitos pelos presidentes. De acordo com dados da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), Bolsonaro será o oitavo chefe de Estado brasileiro a discursar no encontro. O primeiro foi João Baptista Figueiredo, em 1982. Até hoje, foram 20 discursos presidenciais no evento.

A cinco meses das eleições presidenciais, os brasileiros estão tendo que absorver discursos e defesas diferenciadas de 16 nomes que já se colocaram para a disputa, considerada por estudiosos como a mais fragmentada desde 1989. A retórica dos pré-candidatos tem perpassado por temas como a efetivação de reformas, entre elas a da Previdência, questões indígenas, ambientais e de moradia, além das empresariais e de cunho mais conservador. 

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Entretanto, apesar da disposição dos pré-candidatos em apresentarem suas posturas nas andanças que têm feito pelo país, o desafio inicial deles quanto a absorção dos seus discursos, de acordo com a cientista política Priscila Lapa, é lidar com o “total desligamento do eleitor” e o “distanciamento da sociedade” com a classe política.    

Sob a ótica da estudiosa, com o espaço de tempo que ainda falta para a campanha eleitoral, a população ainda não está “prestando atenção” nos discursos dos presidenciáveis. Por outro lado, ao analisar o impacto das falas dos postulantes ao cargo de presidente da República a partir do início do período de campanha, ela ponderou que a expectativa será pela transformação das múltiplas exposições feitas em propostas concretas. 

“Quando falamos de eleição presidencial cabe tudo, desde as questões econômicas até as morais. Na última, por exemplo, teve um debate sobre o aborto. No contexto atual, que é um diferencial, as pessoas estão naquela de vamos ver onde tudo isso vai dar, ou seja, se o discurso se sustenta com propostas mais consolidadas ou não”, argumentou.

Como exemplo, Lapa pontuou a retórica do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que aparece em segundo lugar nas intenções de votos. Segundo ela, ainda não há uma proposta clara do pré-candidato. 

“Ele apresenta seu discurso, fala um monte de coisas, mas não consegue concretizar nada, não há uma proposta clara. O desejo de uma proposição viável e concreta que vá além da fala é uma característica apreciada pelo eleitor”, ressaltou a cientista política.

A advertência de Lapa pela ausência de propostas concretas também foi exposta pelo cientista político Antônio Henrique que, além disso, salientou que o nível de fragmentação dos discursos “deixa os votos mais pulverizados pelas diversas matrizes políticas e pensamentos econômicos” apresentados. 

Na análise do estudioso, a possibilidade de sucesso eleitoral é para o postulante que alinhar seu discurso com os anseios do chamado “eleitor mediano”. “Com este nível de fragmentação relativamente elevado a população pode ficar perdida, sem identificar exatamente a centralidade da candidatura de um presidenciável especificamente. A única certeza que nós temos, por hora, é que esta eleição é de dois turnos, por causa desta fragmentação elevada. Neste sentido, o candidato que tem maior chances de vencer o pleito eleitoral é aquele que vai se alinhar ao eleitor mediado, seus anseios e interesses”, explanou. 

Para Henrique, o presidenciável “que ficar colado a algum tipo de elite ou defenda a alguma área específica” deve ter poucos votos. “Qualquer candidato que passar esta imagem de rico, ligado a população mais abastada do Brasil, tende a ter uma quantidade de votos diminuída”, observou, citando o pré-candidato do Novo, João Amoêdo. 

“Assim como também os que defendem a redução de direitos, como por exemplo o caso da reforma trabalhista. Isso, inclusive, explica porque que a reforma da Previdência não conseguiu passar no Congresso ainda este ano, por ser muito mal avaliada, apesar de ser necessária para a manutenção da saúde e da conta do estado”, complementou o cientista político. 

Debate que predominará o pleito

Apesar das identidades defendidas pelos presidenciáveis, o cientista político Elton Gomes acredita que durante o debate eleitoral no período da campanha será predominado por dois pontos: segurança pública e corrupção. 

“Os discursos para candidaturas majoritárias passam pelo entendimento da classe econômica, mas nos últimos anos por conta da operação Lava Jato e do descontrole da segurança pública nos centros urbanos, fez com que se fortalecesse o discurso no ponto de vista da política. A pauta da corrupção e da segurança pública se exacerbaram no Brasil tornando marginal o histórico discurso sobre a estabilidade econômica, que funcionou nas campanhas durante esses últimos 20 anos”, disse. 

De acordo com Gomes, isso se justifica porque a retórica militante, apresentada pela maioria dos pré-candidatos, “não é interessante do ponto de vista do eleitor médio”. “O eleitor médio não é ativista e é ele quem define a eleição. Ele não vê isso como determinante”,  sustentou.

Efeito do discurso na escolha do voto

A cientista Priscila Lapa ainda fez um panorama sobre o efeito das múltiplas falas diante da escolha do voto pelo eleitor. Segundo ela, a absorção, que já não é tão intensa assim, varia de acordo com o perfil do eleitorado.  

“As discussões ideológicas não dominam o eleitorado, estão com quem tem maior instrução e renda, por exemplo. Já o segmento maior, com o menor grau de instrução, vai seguir a escolha pragmática: quem vai resolver o problema do país e como vai. A agenda ideológica perde espaço. O que tem decidido as últimas eleições majoritariamente é a questão econômica. A segurança e confiança na retomada do crescimento da economia”, ponderou, esclarecendo que “apesar das outras questões”, no pleito deste ano isso não vai ser diferente.

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