Ex-narcotraficante que colabora com uma organização contra as quadrilhas, Abdi se tornou neste final de semana novamente uma vítima daquilo que quer combater, a onda de crimes em Londres, ao ser esfaqueado pela segunda vez em pouco tempo.
Aos 26 anos, e desde que saiu da prisão no ano passado, Abdi ajuda a atrair jovens para um programa para evitar que caiam nas redes do crime.
Tudo isso, no contexto de um aumento dos assassinatos, a maioria por facadas, fez que Londres registrasse 50 mortes violentas em 2018, mais do que Nova York. Os ataques com arma branca já haviam aumentado 23% no ano passado.
"Só lhe digo: 'irmão, você tem duas opções. Uma é para o caixão. A outra é uma sentença de 35 anos. Não há escapatória", disse ele à AFP em uma entrevista no começo do mês, antes de ser esfaqueado no último final de semana.
"É uma mentalidade que queremos mudar", acrescentou.
Abdi foi atacado no sábado, quando estava com amigos no norte de Londres, semanas depois de ser esfaqueado quando ia para o trabalho. Sua sobrevivência parece um milagre: os agressores miravam na sua garganta, mas ele conseguiu conter o ataque com a mão, que foi ferida.
Ele conta que também se deixou seduzir pelo crime.
"Todo rapaz de bairro periférico de Londres quer carros velozes, mulheres, roupa cara... A boa vida, não?", admitiu durante uma entrevista no estádio de futebol do Queens Park Rangers, Loftus Road, no oeste de Londres.
"Muitos rapazes do país gostariam de ter essa vida. Mas é preciso trabalhar duro. Não vem nada fácil. Agora eu digo o que eu costumava ouvir dos mais velhos", conta.
A ministra do Interior, Amber Rudd, culpou nesta segunda-feira o comércio de crack pelo aumento dos assassinatos e prometeu "fazer o necessário" para acabar com a onda de crimes: do endurecimento das leis ao financiamento de mais programas para jovens.
- 'Vencerei' -
Abdi trabalha como mentor de jovens para Key4Life, uma organização criada em 2012, pouco depois de uma série de distúrbios por todo o país. Outro mentor é Anthon Dinnall, de 24 anos, que foi preso por roubo.
Abdi e Dinnall vão a bairros da periferia identificando jovens que correm risco de serem recrutados por criminosos.
A fundadora da Key4Life, Eva Hamilton, considera esses rapazes seus "discípulos".
Abdi - nascido na Inglaterra de pais somalis - disse que não pode levar a vida de quando vendia drogas, porque ganha muito menos dinheiro, mas que acha seu trabalho atual gratificante.
"Ajudo as pessoas que estão na mesma posição que eu há cinco anos", relata.
"Tem gente que não nasceu nesse país que está sendo detida, e digo para essas pessoas: 'Por acaso sua mãe e seu pai vieram de tão longe para que você vendesse droga e fracassasse na vida?", diz.
Abdi conheceu a Key4Life quando voluntários o visitaram na prisão.
"É normal que eu lhes mostre a mesma lealdade que eles tiveram comigo", explicou, narrando a satisfação que sentiu ao voltar à prisão londrina de Brixton, onde passou a parte final de sua condenação de três anos, como um homem livre, disposto a ajudar os outros.
"Eu não estava preso, não me diziam o que eu tinha que vestir, quando tomar banho, o que vestir, quando comer", relembra, com orgulho.
"Senti que eu era alguém na sociedade. Não vou permitir que o sistema me dobre. Não perderei, vencerei", insiste.