A 9ª edição do Festival de Teatro Para Crianças de Pernambuco termina neste domingo (29) e se consagra como um grande evento destinado ao público infantil. No penúltimo dia de apresentações, o espetáculo Minha Cidade, de Ana Elizabeth Japiá, subiu ao palco do Teatro Barreto Junior para encantar os pequenos e os adultos, em clima de diálogo e intimidade.
O enredo da peça apresenta Luana (Ana Carolina Miranda) e Gabriel (Adriano Cabral), duas crianças que se divertem construindo cidades. A apresentação é um convite à plateia, que logo entra no jogo e colabora imaginando e agregando elementos que faltam no espaço coletivo. A linguagem de Minha Cidade foge do lugar comum das criações para crianças e propõe um enredo menos linear, mais livre e em constante mutação, de acordo com a participação das pessoas, que não só observam encantadas, mas interagem diretamente com os atores e com a temática proposta.
##RECOMENDA##Qual o meio de transporte usado na cidade, como são as ruas, qual espaço tem a natureza? Num espetáculo onde os pequenos são questionados e podem, rapidamente, responder, o cenário remete a uma brincadeira popular, clássica, onde blocos são prédios prontos para virar o lugar que a imaginação quiser. Parte da trilha sonora é interpretada na hora, pelos músicos Fernando Torres e Hugo Leonardo, mas por vezes acaba sendo abafada pelas risadas vindas da plateia.
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O Minha Cidade já esteve em cartaz por duas temporadas e foi apresentado em festivais na capital e no interior pernambucano. Após a segunda edição do Festival de Teatro Para Crianças de Pernambuco, a peça se prepara para uma nova temporada no Recife. Depois da apresentação, o LeiaJá conversou a diretora do espetáculo, a pernambucana Ana Elizabeth Japiá.
A ideia da peça veio quando?
Minha filha, de seis anos na época, brincando de construir cidades. Era um bloco só, onde todo mundo morava e essa criação livre da criança, uma proposta para esse espaço de convivência, eu pensei “isso dá um tema para um espetáculo”. Então, trabalhei as ideias e em contato com a obra de Marco Camarotti, que divide o teatro feito por crianças e aquele que os adultos fazem para as crianças. Com Minha Cidade eu tentei chegar no meio termo, com a proposta da pesquisa, que era fazer um projeto colaborativo.
Você fez essa pesquisa conversando com as crianças nas escolas?
Não só conversando, eu propunha uma dinâmica, distribuía jogos de blocos aos grupos e as crianças iam construindo as cidades delas. Elas davam nome, diziam o que construir, contavam um pouco da historia da cidade e eu ia registrando. Depois usei esse material para fazer o roteiro, que acontece em paralelo com a construção do indivíduo, porque a cidade tem uma vida, ela é orgânica, que vai crescendo, tem um tempo de vida e eu fiz um paralelo com o ser humano. Isso foi um desafio porque muita gente acha que o texto para criança tem que ser linear, ter começo, meio e fim. Mas pensei que nesse mundo de internet as crianças têm contato com várias janelas abertas, por exemplo, ou seja, elas já lidam com esse tipo de linguagem, então por que não trazer para o teatro?
Esse retorno do público é imediato. Hoje eles participaram completamente, essa resposta sempre é positiva?
Não, a gente fica bem a mercê dessa relação, fica bem protocolar quando eles não respondem. E já aconteceu de ter uma plateia com mais gente e eles não interagirem tanto.
Da pesquisa até o espetáculo pronto, qual foi o maior desafio?
Acho que foi quando eu estava com esse material da pesquisa, transformar aquilo nas falas dos personagens, porque eu não queria perder nada, e também me desvencilhar da pesquisa bibliográfica, fiquei procurando títulos para ler. O mais difícil é isso, não querer abrir mão de nenhuma ideia, querer colocar tudo nas falas dos personagens.
Você escreveu o projeto em 2008 e em 2010 a peça estreou. No meio desse processo você engravidou, isso determinou em alguma coisa essa construção?
Determinou na minha relação com meu filho, porque essa peça fala justamente desse processo de construção de um espaço e até da personalidade. Foi uma coincidência.
Você tem outros projetos dentro do teatro?
Tenho outros dois, também para infância e juventude. O primeiro foi O Mundo da Criação, baseado num poema da minha filha mais velha (estou sempre tentando buscar essa parceria com as crianças). É bem lúdico, como se fossemos cores que viemos a esse mundo para colorir, algo assim. Era mais amador. O segundo foi apresentado em Curitiba, teve uma vida bem longa. Era Um Livro de Fábulas.
Apesar disso você não sobrevive do teatro, porque é realmente algo paralelo na tua vida ou porque o segmento não permite isso?
Já permite, vejo de uns anos para cá uma nova perspectiva para quem trabalha com cultura. Meu sonho é me aposentar e me dedicar a isso. Mas já existe essa carreira sim.
E por que trabalhar para criança?
Acho que por conta das minhas filhas mesmo, sempre investi em literatura infantil, discos, DVDs, também adoro contar histórias. Isso tudo é material, vai respaldando.
E quando você pensa em continuar trabalhando com teatro, sempre é para crianças?
Não, tenho outro projeto para o público adulto. Mas nunca vou deixar essa vertente.
E a possibilidade do Minha Cidade ir para televisão?
Existe, mas é outro projeto, outro formato. A ideia é questionar os aspectos de moradia e outras coisas da nossa cidade.
As produções locais de teatro raramente lotam as cadeiras da plateia, você acha que isso se deve a que?
Eu acho que é uma resposta do público à produção, que é fraca. Eu tenho três gerações de filhos e acompanhei o teatro para criança e a maioria não é tão boa. Acho que isso desacredita um pouco, não é? Quando são releituras do cinema as pessoas acreditam que vai valer a pena. Esse é um aspecto, existem outros. O teatro escola também contribui com esse afastamento da família, eles delegam à escola esse papel e a gente nunca faz esse tipo de programa. Esse ritual de ir assistir ao espetáculo cria um hábito de ir ao teatro.