Franzido, de fala mansa, poucas palavras e muitos calos nas mãos (característica marcante de quem trabalha com a lida desde garoto), assim é o cortador de cana Severino Euzébio de Almeida, 58 anos. Casado há quase 40, com a dona de casa Maria José de Almeida, 56, com quem tem seis filhos e 12 netos, sua atual peleja é conseguir um lugar para chamar de seu, um teto, um pedaço de chão, seja na área rural ou urbana de Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco. Para tanto, seu Severino e a filha Ivanise Maria da Silva Almeida, 31, estão assentados nas margens da PE-60 em Ipojuca. Na busca por uma moradia, três mil famílias esticaram lonas em pedaços de madeira, no acampamento batizado de Vila Nova Ipojuca - em um morro onde antes se plantava cana-de-açúcar - que não tem energia elétrica, sistema de esgoto e a água foi ligada de forma irregular pelos assentados.
No desabafo comum aos nativos, a moradia na região está mais cara, por causa da grande procura das empreiteiras, que oferecem preços acima do valor de mercado por casas e prédios inteiros para alojar seus operários, desencadeando uma especulação imobiliária sem precedentes na região. “Família grande dinheiro pouco. Nunca consegui comprar minha casa.”, disparou seu Severino que recebe R$28 por dia pelo corte de cana-de-açúcar na Usina Ipojuca e sustenta quatro netos, uma filha e a esposa.
Na casa de Cícera Margarida do Nascimento, 40, que estudou até a terceira série do ensino fundamental e nunca trabalhou, a situação é ainda mais complicada, pois a renda do marido, servente da Usina Ipojuca, Severino Heleno Barbosa, 38, é a única de uma família composta por 10 pessoas, entre filhos e netos do casal. “Esse é um único jeito que a gente tem para conseguir um lugar para viver”, alegou.
O valor dos imóveis explodiu, os terrenos escassearam e o preço do metro quadrado saltou de R$ 500 para até R$ 2 mil. A Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi-PE) estima que os aluguéis na vizinhança de Suape subiram 20% em 2010 frente ao ano anterior e alcançaram valores equiparáveis à de bairros valorizados do Recife. A previsão é que persista a tendência de alta, com a chegada de novos operários para dar conta do pico da obra da Refinaria Abreu e Lima, em outubro, quando o canteiro terá 28 mil pessoas.
Os dois lados
O Ivanildo França, um dos coordenadores regionais do Movimento de Luta e Resistência Popular (MLRP), relatou que o grupo ocupou o terreno no dia 24 de agosto. “Ocupamos primeiro com 200 famílias e agora fechamos o cadastro com três mil famílias, na perspectiva de obter moradia digna. Nós nos reunimos com o prefeito Pedro Serafim, e ele ficou de nos dar uma definição num prazo de dois meses”. Ele também ressaltou: “Somos um movimento pacífico que não quer nada além de um lugar para morar. Nossa luta é antiga, não queremos nem escolher o lugar que irão nos instalar, não importa se é um terreno, ou se serão casas já construídas. Queremos apenas ter o nosso canto”. De acordo com o coordenador, mais de 40% dos assentados estão desempregadas e outra parte paga aluguel.
De acordo como o secretário de Saúde de Ipojuca, Raul Cunha - que foi indicado pelo prefeito Pedro Serafim Neto (PDT) para falar sobre o caso -, não houve nenhuma negociação com o MLRP no sentido de garantir moradia para os assentados. “Nós estamos construindo 542 casas populares em Camela e deveremos construir cerca de 1.200 em Nossa Senhora do Ó, mas essa moradia não será destinada a este grupo”, afirmou o secretário, referindo-se a MLRP. Cunha ainda sugeriu que esta manifestação deve ser orientada por políticos de oposição ao prefeito Pedro Serafim.
Contudo, ainda não há previsão de quando será iniciada a construção das casas populares, pois de acordo com a assessoria de comunicação da prefeitura de Ipojuca, o projeto ainda está na fase de discussão jurídica. A assessoria informou apenas os imóveis serão construídos nas proximidades de Nossa Senhora do Ó, mas não soube dizer o endereço.
MLRP
Segundo Ivanildo França, o objetivo é combater a máquina de produção de miséria nos centros urbanos, formar militantes e acumular forças no sentido de construir uma nova sociedade. “A ocupação de terra, trabalho de organização popular, são as principais formas de ação do movimento. Quando ocupamos um lugar ocioso, provamos que não é natural nascer, viver e morrer pobre e oprimido. Não aceitamos a espoliação que muitos chamam de sina. Ao montar barracos de lona num terreno vazio e organizar os trabalhadores para lutar, o movimento corta a cerca nada imaginária que protege a concentração de riqueza e de terra nas mãos de poucos. E em alto e bom som gritamos: chegou a nossa hora. Criar poder popular!”, declarou.
Galeria de imagens do assentamento irregular nas margens da PE-60
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