Em sete meses de governo, Bolsonaro deixa decoro de lado
Destemido de consequências, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem atacado instituições, grupos da sociedade civil e vem preocupando aliados da base governista
A atuação 'sem filtro' do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem causado preocupação e apreensão em diversos segmentos da sociedade civil, inclusive no Palácio do Planalto. Depois da recente afirmação do líder brasileiro sobre o desaparecimento do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, uma reunião de emergência foi marcada no Planalto.
Nesta terça-feira (30), auxiliares mais próximos (inclusive integrantes da ala militar) debateram o tom de fala de Bolsonaro e como isso pode vir a prejudicá-lo diante da gestão da Presidência da República. A declaração sobre o pernambucano Fernando de Santa Cruz Oliveira, entretanto, não foi a primeira fala 'fora de hora' feita por Bolsonaro.
De acordo com especialistas, o que foi dito pelo presidente pode ser considerado um crime de responsabilidade, porém um possível pedido de impeachment teria caráter essencialmente político. E, apesar de parecer distante, atitudes como essa já foram tomadas Brasil afora.
No Mato Grosso do Sul, o arquiteto e professor aposentado da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Ângelo Arruda, protocolou um pedido de impeachment de Bolsonaro na Câmara dos Deputados. De acordo com o requerente, o presidente cometeu ao menos cinco das infrações previstas na Lei 1.079/1950, que versa sobre o impeachment e lista crimes de responsabilidade de Bolsonaro.
“É esperado que um presidente da República tenha um comportamento de cuidado e atenção aos direitos do país em que ele governa. Ele representa toda uma nação. Não deve, em circunstância alguma, estar falando o que quiser e onde quiser, principalmente quando essas falas atingem pessoas governadas por ele, como foi o caso do episódio envolvendo os nordestinos”, pontua o cientista político Thales Ferreira.
Em um café da manhã com jornalistas neste mês de julho, o presidente parece ter amanhecido inspirado para disparar seus posicionamentos. Em uma única manhã, ele chegou a afirmar que no Brasil não existia mais o problema da fome, generalizou os governadores do Nordeste como governadores 'de paraíba' e disse que a jornalista Miriam Leitão contava um 'drama mentiroso' sobre sua experiência no período da ditadura militar.
Apenas tomando essas afirmações como exemplo - porque além delas há outras que merecem destaque da mesma maneira -, já poderia ser considerado que houve quebras de decoro e ele já chega em uma área onde não poderia ir enquanto chefe de Estado.
“Ter decoro quer dizer que você precisa ter um comportamento decente, discreto, digno de exemplo. Apesar da expressão caber muitas definições, é certo que nenhuma delas tange o que Bolsonaro vem fazendo. Não cabe a ele fazer comentários ou questionamentos envolvendo a dor alheia, nem o problema alheio, se ele não tem a real intenção de ajudar”, pontua Thales Fernandes.
Nesta semana Bolsonaro também fez colocações inadequadas sobre o jornalista e editor do site The Intercept, Glenn Greenwald, e sua família. Após o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, publicar a portaria nº 666, que autoriza a deportação de estrangeiros considerados 'perigosos', Bolsonaro disse que Greenwald não se encaixaria no grupo.
Entretanto, a afirmação do presidente foi seguida de mais uma quebra de decoro. Segundo Bolsonaro, o jornalista e seu marido, o deputado federal David Miranda (PSOL), eram dois ‘malandros’, pois para evitar o problema da deportação, ambos adotaram crianças no Brasil.
Como se não fosse suficiente, no último sábado (27) o presidente conseguiu arranjar uma brecha pra dizer que a questão ambiental só interessa aos veganos, “que só comem vegetais”. A afirmação de Bolsonaro foi feita enquanto ele tentava argumentar sua ideia de transformar Angra dos Reis em uma Cancún brasileira.
O presidente disse acreditar que o Brasil já tem muitas reservas naturais, além de ter criticado as multas do Ibama aos produtores de soja em reservas indígenas. Ainda na questão ambiental, Bolsonaro chegou a criticar os dados sobre desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Em apenas sete meses de governo já é possível relatar uma série de declarações infelizes pronunciadas pelo presidente da República. Não é esse o papel que foi dado a Bolsonaro, mas ele parece querer nadar contra a maré, mas a impressão que dá é que nem ele sabe onde quer chegar. É possível que parlamentares do Congresso parem de andar junto com ele, principalmente os que estão no centrão. E sem o apoio parlamentar, Bolsonaro pode ter dificuldades reais em seus projetos, principalmente na questão da previdência”, pontua o cientista político Thales Fernandes.
O texto-base do projeto de reforma da Previdência foi aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados e, agora, segue para votação em segundo turno, que deve acontecer neste mês de agosto. Em seguida, o texto segue para votação no Senado.