Primeira vítima da repressão é enterrada em Mianmar
Milhares de pessoas foram ao enterro de Mya Thwate Thwate Khaing, baleada em 9 de fevereiro e falecida dias depois
Mianmar homenageou, neste domingo (21), a primeira vítima da repressão militar, uma jovem de 20 anos que se tornou ícone da resistência ao golpe de Estado, objeto mais uma vez de manifestações, apesar da letal violência da polícia.
O enterro de Mya Thwate Thwate Khaing, baleada em 9 de fevereiro e falecida dias depois, aconteceu nos arredores da capital, Naipyidó, na presença de milhares de pessoas.
Com três dedos erguidos em sinal de resistência ante a passagem do cortejo fúnebre, a multidão gritou "Abaixo a ditadura" e "Lutaremos até a vitória", até se dispersar silenciosamente.
Quase três semanas depois do golpe militar de 1º de fevereiro, a mobilização a favor da democracia se mantém em todo país, tanto nas grandes cidades quanto nas áreas rurais.
Milhares de manifestantes marcharam perto do campus universitário principal de Yangon, neste domingo, assim como em Mandalay, palco da repressão mais severa desde o golpe de sábado.
Nesta cidade do centro do país, a polícia disparou contra manifestantes que foram apoiar os trabalhadores de um estaleiro em greve, causando a morte de duas pessoas e deixando 30 feridos.
"Duas pessoas foram mortas, incluindo um menor que foi baleado na cabeça", e cerca de 30 ficaram feridas, disse Hlaing Min Oo, chefe de uma equipe de socorristas voluntários.
"Metade das vítimas foi atingida por munição real", acrescentou Hlaing Min Oo.
Médicos que trabalham no terreno, e que não quiseram revelar sua identidade por temor de represálias, confirmaram que foram usadas balas de verdade.
Mais de dez pessoas foram presas, segundo a imprensa local.
O jornal estatal "Global New Light of Myanmar" não mencionou as vítimas e culpou os manifestantes por seu comportamento "agressivo". Disse ainda que três soldados e oito policiais ficaram feridos.
No sábado, um homem de 30 anos morreu em Yangon, quando fazia uma ronda perto de sua casa, como parte de uma iniciativa de cidadãos para evitar a prisão noturna de oponentes do regime.
"A polícia o matou", disse sua cunhada.
A televisão estatal confirmou sua morte, informando que 20 pessoas atacaram um veículo policial e que a polícia fez disparos de advertência para dispersá-los.
A junta informou, por sua vez, a morte de um policial no início da semana.
- "Uso de força letal" -
Ontem, o secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou "o uso de força letal" em Mianmar, em reação às duas mortes em Mandalay.
E, neste domingo, o Facebook encerrou a conta da junta militar denominada "True News" (Notícias Verdadeiras), ao considerar que incitava a violência. De acordo com uma porta-voz da rede social, houve "repetidas violações dos padrões de nossa comunidade, os quais proíbem incitação à violência e danos coordenados".
Os militares voltaram a cortar as conexões de Internet, pela sétima noite consecutiva, sendo restauradas pela manhã.
As forças de segurança do país intensificaram a repressão às manifestações em massa - em geral, pacíficas -, que pedem o retorno da líder civil deposta Aung San Suu Kyi. Ela e vários de seus principais aliados políticos estão presos desde o golpe militar de 1o de fevereiro.
O ator Lu Min, uma das figuras dos protestos em Yangon, foi preso na noite de sábado, anunciou sua esposa, em lágrimas, em várias redes sociais.
Mais de 570 pessoas - líderes políticos, ativistas, ou grevistas - foram presas desde 1º de fevereiro, e apenas um grupo de cerca de 40 foi solto, de acordo com uma ONG que assessora presos políticos.
"Onde está a justiça?", "Stop terrorismo", "Quantas vidas serão ceifadas até que o mundo reaja?" eram algumas das frases postadas nas redes sociais.
Os ministros das Relações Exteriores da União Europeia (UE) devem se reunir nesta segunda-feira para discutir possíveis sanções.
Medidas coercitivas contra os generais, como as anunciadas por Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, não serão suficientes, advertiram várias ONGs, que pedem a punição dos grandes conglomerados controlados pelos militares.
Aliados tradicionais do Exército birmanês nas Nações Unidas, China e Rússia consideram que se trata de "um assunto interno" do país.