Após anos de luta, Caiçara desaparece em meio a entulhos
Edifício histórico começou a ser demolido na manhã desta quinta-feira (7) com autorização de ordem judicial
Ao som da sirene das retroescavadeiras e ao barulho de concretos caindo no chão, o Edifício Caiçara, na Avenida Boa Viagem, no bairro do Pina, começou a ser demolido no início da manhã desta quinta-feira (7). A ação de demolição acontece dois dias após a 2ª instância do tribunal de Justiça derrubar a liminar que impedia, até então, a demolição do imóvel. O edifício foi construído no estilo neocolonial no início dos anos 1940; em 2013 a construtora Rio Ave chegou a iniciar a demolição o imóvel, mas foi impedida de continuar após a obra ser embargada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe).
De uma parte isolada do prédio vizinho, enquanto assistia a queda dos tijolos e pedaços de concreto, o geógrafo e engenheiro civil, Paulo de Santana, lamentava a perda de uma parte da história da cidade do Recife. Trabalhador no ramo das construções civis, Paulo desaprovava a ação judicial de autorizar a demolição completa do Caiçara. "Eu não estava sabendo que isso iria acontecer hoje. Cheguei aqui e fiquei surpreso com a decisão da justiça de autorizar a destruição de um patrimônio histórico que carrega muitas memórias da nossa história", lamentou.
Carregando uma parte da memória afetiva e histórica do bairro de Boa Viagem, o Caiçara, assim como outras construções mais antigas das imediações, tem perdido sua importância enquanto preservação cultural. Para o ativista e integrante do grupo Direitos Urbanos, Leonardo Cisneiros, as grandes construtoras agem em acordo com a Prefeitura do Recife (PCR). "Sabemos que essa ação é mais uma prova da junção dos interesses financeiros da Prefeitura com as grandes empreiteiras", afirmou.
Cisneiros explicou que chegou a fazer uma apelação contra a decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) de demolir o edifício. "Fizemos todo o trâmite necessário contra a sentença e na última terça-feira (5) ficamos sabendo que o tribunal teria negado nosso pedido e autorizado a demoli ação do Caiçara. Mas eu também fui pego de surpresa e não tinha a informação de que a obra teria início hoje", explicou.
De olhos atentos nos detalhes da obra que segue sendo realizada durante a manhã desta quinta, o síndico do prédio Nossa Senhora de Copacabana, ao lado do edifício Caiçara, contou que só foi informado do início da demolição nesta manhã. "Os responsáveis pela construtora só vieram aqui na manhã de hoje e informaram que fariam a manutenção dos destroços que iriam cair no nosso prédio", informou. Com um ar de satisfação, o síndico contou que gostou da decisão de destruírem o edifício. "O prédio era frequentado por marginais e com o abandono isso nos prejudicava diretamente. Estávamos sujeitos frequentemente a doenças, como a zika e dengue, por exemplo".
Composta por dois andares, seis apartamentos e uma das estruturas mais antigas da região, o Caiçara já não existia fisicamente por volta das 10h da manhã desta quinta-feira. Para Paulo, a cidade deve ter espaços para modernidade, mas também deve ter espaços pra preservar a memória do bairro, da cidade e do estado. "O que a empreiteira quer é construir mais para se fazer mais espaços verticais e ganhar mais dinheiro. Com isso, se apaga um pouco da memória da cultura e do que foi a cidade", argumentou.
Com a demolição já iniciada, Cisneiros contou que pretende avaliar o caso e entrar com uma nova ação. "A partir de agora vamos entender melhor a situação e tentar entrar com uma ação de Danos Morais Coletivos. O judiciário agiu de forma contrária ao princípio da precaução, que deve reger a tutela do patrimônio histórico", concluiu.
Em nota, a construtora Rio Ave informou que está legitimada pelo Poder Judiciário, que em vários momentos foi favorável à ação da construtora. A empreiteira reforçou que em todo esse processo relacionado ao Edifício Caiçara agiu com transparência e cumpriu rigorosamente a lei, em todas as suas esferas.
Confira a nota
Na esfera estadual, o ato tem respaldo no parecer do Conselho Estadual de Cultura e da Fundarpe, que não consideraram o imóvel relevante para tombamento, e na perda de efeito do embargo da Fundarpe a partir das decisões judiciais. No âmbito municipal, a Construtora está respaldada pelas licenças de demolição concedidas pela Prefeitura do Recife em novembro de 2011, que voltaram automaticamente a valer depois da votação do CDU (Conselho de Desenvolvimento Urbano) no dia 04/04/14.
Inicialmente julgou improcedente o pedido de liminar do Ministério Público para suspender a demolição. No dia 13/06/14, o Juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital revogou outra liminar que impedia a demolição. E, finalmente, no dia 05/04/16, o Tribunal manteve a sentença e confirmou improcedente o processo contra a demolição, em segunda instância.
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