ONU recebe dossiês sobre usinas do Xingu e Tapajós

Ministério Público Federal entrega documentos à relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz. Para ela, o governo brasileiro está empurrando os indígenas ao seu limite.

por Antônio Carlos ter, 22/03/2016 - 09:59

A Organização das Nações Unidas (ONU) recebeu, do Ministério Público Federal (MPF), dossiês que informam sobre o impacto da construção de barragens nos rios Xingu e Tapajós, no Pará, para as populações indígenas da região. Procuradores da República que atuam em Altamira e Santarém, no oeste do Estado, entregaram os documentos para a relatora especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, durante reunião que tratou das irregularidades nas obras das usinas hidrelétricas das bacias de dois dos principais afluentes do rio Amazonas.

A reunião ocorreu no dia 15 de março, em Altamira, com a presença dos procuradores da República Thais Santi, que fiscaliza Belo Monte, e Camões Boaventura, que fiscaliza as usinas no Tapajós. Segundo o MPF, as irregularidades detectadas em Belo Monte, já em fase de pré-operação, dão um panorama do que pode ocorrer na usina São Luiz do Tapajós, começando pelo descumprimento sistemático da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Com suas obras quase concluídas no Xingu, o consórcio responsável pela usina de Belo Monte é alvo de 25 ações que apontam ilegalidades no projeto. Na bacia do Tapajós são até agora quatro usinas em construção no rio Teles Pires e cerca de 40 projetadas, com 19 processos judiciais mostrando problemas, informa o Ministério Público Federal.

A maior usina prevista para o Tapajós é a São Luiz do Tapajós. Se construída, indicam estudos apontados pelo MPF, a hidrelétrica vai provocar a remoção compulsória de três aldeias dos índios Munduruku, conduta vedada pela Constituição Federal.

A relatora da ONU disse aos procuradores da República que constatou, ao longo de sua missão no Brasil, que, embora um poder coloque a responsabilidade sobre o outro, há um padrão de articulação dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, para a violação sistemática dos direitos indígenas e para viabilizar um projeto político e econômico considerado ideal por esses poderes. “Não há espaço para qualquer diversidade de projetos”, disse.

A procuradora Thais Santi enumerou os inúmeros impactos, muitos irreversíveis, provocados pela desobediência recorrente das licenças ambientais pela Norte Energia, responsável pela obra de Belo Monte, com anuência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão licenciador. “Os impactos não foram mitigados por irresponsabilidade do Estado, sendo que as medidas de mitigação eram condição para assegurar a integridade dos povos indígenas e a manutenção dos seus modos de vida”, disse Santi.

De acordo com Thais Santi, “no Xingu, vivem muitas etnias de contato recente e que já passavam por um violento processo de segregação social. As medidas de mitigação seriam a única forma de garantir que estes povos indígenas sobrevivessem aos impactos da usina, no entanto elas não foram adequadamente implementadas e agravaram o processo de desagregação”.

A procuradora da República destacou, ainda, que no coração do trecho de vazão reduzida, epicentro dos impactos da usina de Belo Monte, antes mesmo de estar demonstrado que a hidrelétrica permitirá a reprodução da vida no local está sendo licenciado um dos maiores projetos de mineração do Brasil, que recebeu licença prévia do Estado do Pará sem a realização de estudos sobre os povos indígenas da região e sem análise sinérgica de sobreposição de impactos com Belo Monte. Essa realidade demonstra que os impactos de Belo Monte são potencializados, na medida em está aberto o caminho para a exploração dos recursos naturais da região em escala industrial, sem o devido controle ambiental.

O procurador da República Camões Boaventura enfatizou elementos que o projeto da usina São Luiz do Tapajós têm em comum com a de Belo Monte. “Alguns impactos sociais já são identificados, como desgaste dos indígenas com a intensa participação em reuniões e a insegurança sobre o futuro, que causa grande angústia aos povos afetados”, disse.

A relatora Victoria Tauli-Corpuz disse que considera Belo Monte um caso emblemático, “pois tudo que poderia dar errado, deu errado”. Ela constatou na região de Altamira a situação de um etnocídio praticamente consumado pela usina. E se declarou temerosa de que, em São Luiz do Tapajós, ocorra um processo pior, de genocídio, diante da negativa dos índios Munduruku em assistirem passivos à destruição de seu modo de vida.

Para a relatora, a situação é perigosa, porque o governo brasileiro já se mostrou disposto a lançar mão de forças militares e instrumentos autoritários. “O governo brasileiro está empurrando os indígenas ao seu limite com este projeto hidrelétrico e querendo fazer com que eles desapareçam”, lamentou. (Veja, abaixo, vídeo produzido pelo MPF sobre Belo Monte).

Com informações da Assessoria do MPF.

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