‘Pacto Sinistro’: Obra de Hitchcock completa 70 anos

Crítico de cinema conta quais elementos o diretor usa no longa-metragem e qual o legado da obra

por Rafael Sales qua, 30/06/2021 - 19:26
Reprodução: Warner Bros O ator Farley Granger (à esquerda) e Robert Walker (à direita) na obra Pacto Sinistro Reprodução: Warner Bros

Nesta semana faz 70 anos desde que “Pacto Sinistro” (1951) chegou aos cinemas. A obra é dirigida pelo mestre do suspense, Alfred Hitchcock (1899 – 1980) e conta uma história macabra sobre dois passageiros desconhecidos que passam a conversar em uma viagem de trem. Eles entram em acordo para matar duas pessoas. Em alguns sites de avaliação, como no Rotten Tomatoes, o longa-metragem tem 98% de aprovação por parte da crítica, e 92% pelo público, e assim, é considerado um dos grandes marcos da carreira de Hitchcock.

De acordo com o crítico de cinema Filippo Pitanga, existem várias características usadas por Hitchcock que o coloca na prateleira de diretores de cinema autoral. “Seu texto era aplicado em imagens com tanta dedicação, como se ambas as formas de contar a história não apenas estivessem perfeitamente conjugadas, mas como se cada uma delas contivesse enorme riqueza, códigos e simbologias próprias”. Pitanga completa dizendo que a combinação de imagens retratadas no filme junto aos diálogos dos personagens, aplicados em diferentes contextos, faziam a trama se movimentar adiante.

Neste contexto, os personagens envolvidos nas tramas, em grande maioria, eram insuspeitos. Segundo o especialista, eram protagonistas que jamais se veriam em meio às intrigas nas quais são colocados, mas que acabam sendo levados direto para o epicentro do caos, seja por engano ou por tentações traiçoeiras. E assim acontece em “Pacto Sinistro”, uma trama composta por um jogo de perspectivas que geram tensionamentos a partir do momento que dois personagens têm suas histórias pessoais colididas.

Apesar de entrarem em acordo, ambos os personagens possuem características diferentes. Pitanga conta que o primeiro deles é interpretado por Farley Granger (1925 – 2011), “[personagem] trabalhado com um olhar mais puro, que passa por um desengano como se tivesse 'entrado de gaiato no navio', mas cuja trama é muito maior que sua vontade pessoal”. Já o segundo personagem é vivido por Robert Walker (1918 – 1951). Este é responsável por estimular a troca de lugares, a fim de se tornarem insuspeitos perante qualquer coisa que fizessem. E assim, ambos propõem assassinarem seus respectivos desafetos, no caso, o pai do primeiro e a esposa adúltera do segundo.

O crítico de cinema conta que o que realmente torna a trama interessante não são as motivações injustificáveis dos personagens, mas  as diversas formas de narrativa que manifestam a aberração dos atos dos protagonistas, como na cena em que mostra o personagem de Walker em um parque de diversões, e os planos ganham contornos de filme de horror psicológico dentro de perspectivas vertiginosas. Ou quando vemos suas sombras crescendo sobre si mesmos. “Isso é linguagem semiótica autoral de Hitchcock, que conta os meandros do subconsciente dos personagens e gera uma dialética mais enriquecedora para o espectador” explica Pitanga.

Tabu Hollywoodiano

Inúmeros filmes de Hitchcock são considerados alguns dos maiores clássicos da história da sétima arte e,segundo o crítico, “Pacto Sinistro” também é um deles. Além disso, o cineasta traz “um enorme diferencial” para a obra. Hitchcock reforça e desenvolve um tabu de Hollywood na época: ele enriquece o confronto entre personagens masculinos através de uma tensão homoerótica velada. Pitanga comenta que Farley Granger jamais escondeu ser bissexual e Hitchcock sabia disso ao escalá-lo para o papel, não apenas nessa ocasião, mas também no clássico “Festim Diabólico” (1948), em que o ator é colocado em cena, como parte de um casal assumidamente homoafetivo.

Na época, já existiam muitos filmes com a temática de assassinato, “mas a amoralidade, especialmente por ambos protagonistas terem motivações extremamente questionáveis, de fato, marcaram a época”. O especialista conta que a figura feminina no filme, interpretada pela atriz Ruth Roman (1992 – 1999), se passa por filha de um político e noiva, que Granger pretende casar quando a atual esposa morrer. E por meio dela, entra a visão julgadora da sociedade, que impõe um padrão que só vai pesar mais no pescoço do protagonista. “Todos advêm de um lugar potencialmente reprovável”, analisa o crítico de cinema.

Legado

Pitanga afirma que inúmeros filmes beberam da fonte da troca de assassinatos para se criar um álibi para o suspeito original, que teria a real motivação de matar. Desde adaptações quase literais, como “Nunca Beijes um Estranho” (1969), de Robert Sparr (1915 – 1969), até outras formas de adaptações que brincam com o gênero narrativo do filme, como a comédia “Jogue a Mamãe do Trem” (1987), de Danny DeVito. “Mas também está na inspiração da raiz de cineastas especialistas em suspense, filmes de crimes e detetives, como os irmãos Coen”, finaliza Pitanga.

 

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