Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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O Passeio

Gustavo Krause, | ter, 03/11/2015 - 11:58
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Hoje vou poupar o leitor de temas pesados: crise, o blábláblá nosso de todos os dias. Domingo é dia de passeio. Passeio de bicicleta. Bem-vinda a ideia das ciclofaixas.

Semana passada, tomei a decisão: vou ver o Recife por dentro montado no lombo da bicicleta com a força do pé(dal). Um choque. A família inteira, assustada (sou um desastrado, não dirijo e me perco dentro de um shopping Center), ponderou, pediu, apelou com a dramaticidade de quem antecipava as dores da viuvez e da orfandade. Houve até quem dissesse: - Velho, fica na rede e lê o Guia prático, histórico e sentimental do Recife de Gilberto Freyre ou o antológico poema de Carlos Pena filho, Guia prático da cidade do Recife. Negativo. A teimosia ganha na rapidez e perde da sensatez. Disse: “Quem for recifense me siga”.

Tomadas as providências regulamentares e devidamente assumido o comando da bike, comecei a pedalar sob o sol recém-nascido que propagava raios brilhantes do tempo renascido. Em vez de escuro, usei óculos mágicos que, a um só tempo, protege, enxerga o presente e, com lentes poderosas, traz de volta o Recife a que fui apresentado quando completei meu primeiro decênio da vida.

Vacinado por Gilberto Freyre, não me senti “um tanto estrangeiro no Recife de agora”. Contemplei a memória e vi o que quis, pedalando do oeste (Bairro da Jaqueira) para o leste na direção do mar que saúda Boa Viagem?! a quem chega e a quem parte.

Não deixei empalidecer o Recife colorido; não permiti o doloroso martírio de lembrar a ausência de sobrados e casarões que pagaram o preço em nome de “um progresso” sem dó nem piedade do valor da história; despoluí o Capibaribe e revi alegres cardumes brincando na transparência das águas; reencontrei “o Recife marchando na Avenida Guararapes” e me deparei com os “trinta homens sentados” no “festim” do Bar Savoy; parei e descansei no berço da cidade, o Bairro do Recife e lá encontrei, em corpo e alma, Cícero Dias conversando com Francisco Brennand, um belo homem, dono (pois dele é o dom) das belas artes por sobre a raridade dos arrecifes de coral; mirei São José, quase despovoado de “casas cariadas” que explode em multidão no Sábado de “Zé Pereira” sob os acordes do Galo da Madrugada; chego exausto ao meu destino: a praia e respiro no ritmo do vaivém das ondas do mar quando, de repente, sai de dentro de dele u’a mulher, isto mesmo, Recife feminina, morena, tímida, recatada, flagrada no seu banho matinal.

Pude ver, por inteiro, um banho de mulher: a água escore pelo corpo como se fosse (e é) um batismo profano/Toma dois caminhos: o rosto e os cabelos/Olhos entreabertos compõem a máscara do prazer/A pele fabrica pérolas líquidas/Os pelos iluminam os tons dados pela natureza/Uma leve correnteza obedece à lei de gravidade/Uma pequena cascata salta do pescoço de garça e invade relevos redondos e pontiagudos/No caminho do dorso, uma ondulação permite intimidades/De repente, água e corpo se fundem em formas de mulher/O encontro entre a água e a mulher exalam sensualidade (com a permissão de Iemanjá)/A sensualidade é o perfume da mulher/E quando o mar devolve a mulher à terra, vestida com os restos diáfanos do mergulho, o remédio para o pecado da luxúria é rezar, contrito, uma “Ave Maria”, cheia de graça e sal.

São e salvo, quis tocar naquela mulher misteriosa. Era uma visagem. Estava “variando”. Quem sabe, um dos achaques da idade, hipoglicemia, por exemplo?. Fui socorrido com sôfregos goles da mais benta de todas as águas: a água de coco.

Seguido e perseguido pelos cuidadosos afetos da guarda pretoriana – a família –, limitei-me a dizer: - Estou ótimo! E Nada falei sobre o banho da mulher. Quem ia acreditar? Caduquice, ora.

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