Cícero não éo jogador que ganhou destaque no Santos, Fluminense e, atualmente, corre atrás da bola no Al-Gharafa do Catar.
Seu nome épomposo Marcus Tullius Cícero. Nasceu na Itália no longínquo janeiro do ano 107 a.C e morreu assassinado por conta das artes da política em dezembro do ano 44 a.C.
Era dotado de fulgurante e versátil inteligência. Escritor, poeta e filósofo introduziu na língua latina a prosa filosófica dos gregos. Seguidor de Platão, é autor de “Da República”, “Das Leis”, “Da Natureza dos Deuses”e, entre outras obras, um livro notável sob a forma de diálogo sobre a velhice (De Senectute) no qual revela a contagiante sabedoria dos estoicos.
Porém, apesar da imortalidade garantida como pensador, manteve-se vivo e influente atéos dias atuais por conta de sua conduta como político e, sobretudo, como advogado e orador imbatível.
Os bacharéis em direito da minha e de gerações anteriores enfrentavam nas provas de vestibular, português, inglês ou francês, e o latim (no ano em que prestei vestibular, duas matérias foram adicionadas –história e filosofia – e as “Catilinárias” substituídas pela monumental obra Corpus Juris Civilis que, por ordem do Imperador Jusitiniano, e concluída em 530 da era cristã, salvaguardou para a posteridade o maior feito do Império que foi o Direito Romano).
E o que eram as “Catilinárias”? Uma coletânea de quatro discursos de Cícero que destruiu a conspiração de Lucio Sérgio Catilina, um político que encarnava a conjuntura romana da época, marcada por uma corrupção endêmica, estrelada por uma geração de jovens precocemente corruptos, sem o mínimo zelo com a dignidade pessoal e dispostos a satisfazer ambições inconfessáveis na busca de acumulação de riqueza e da fruição dos prazeres mundanos (uma advertência: estamos falando de Roma, logo qualquer semelhança com nações modernas émera coincidência).
Pois bem, os estudantes que almejavam transpor os umbrais das faculdades de direito eram obrigados (e treinados) para ler, traduzir e fazer análise sintática da língua morta/viva, de enorme complexidade. Caso contrário, seriam reprovados.
Éfamosa e conhecida a abertura dos discursos: “Atéquando, Catilina, abusarás da nossa paciência?”Mais uma vez, mera coincidência com personagens vivos e buliçosos.
Depois de ocupar, muito jovem, os cargos de Questor (espécie de gestor fiscal), Edil, Pretor e eleito Consul (43 anos) e derrotar Catilina, Cícero recebeu o título de “Pai da Pátria”, “Libertador e Fundador da Nova Roma”. No entanto, pagou com a própria vida pela conduta reta e ilibada: foi cruelmente assassinado pelos asseclas de Marco Antonio.
Não bastassem as obras e os exemplos, Cícero nos deixou uma admirável síntese que érecorrentemente citada em palestras e aulas sobre a gestão pública: O orçamento nacional deve ser equilibrado. As dívidas públicas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentosa governos estrangeiros devem ser reduzidos se a Nação não quiser ir àfalência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública”(ano 55 a.C).
Cai o pano. 2015, d.C, A Presidente Dilma corretamente veta um malsinado projeto de lei sobre o futebol brasileiro e emite a MP 671 que “Instiui o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais, e dáoutras providências”.
Quem se der o trabalho de ler detidamente os 37 artigos da MP compreenderáa atualidade de um texto que tem mais de dois mil anos. A MP pode se tornar um marco na lenta evolução institucional do futebol e reverter a vergonhosa situação a que chegou a grande paixão nacional.
Apesar dos avanços, a MP corre um risco e tem um pecado capital.
O risco éser destroçada por interesses subalternos e pressões ilegítimas na tramitação congressual. Seráuma luta inglória se a sociedade não se mobilizar, especialmente os que lidam direta ou indiretamente com o futebol, o maior espetáculo da Terra.
O pecado: a MP não trata de uma questão vital que éa distribuição, minimamente equânime, das cotas de televisionamento, entre as entidades desportivas profissionais.
Caso as bancadas do atraso vençam, o placar permanecerá: Alemanha 7x Brasil 1.