Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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A Copa, o Gol e o Voto (II)

Gustavo Krause, | ter, 20/05/2014 - 09:49
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Para quem não leu o primeiro artigo, o fio da meada é a relação entre futebol, política e, particularmente, as eleições presidenciais que, desde 1994, coincidem com a realização das copas. Vamos a elas.

A Copa de 1994. Foram 24 anos de amargo jejum, agravado pelo travo da segunda maior decepção do torcedor brasileiro: a tragédia do Sarriá, quando o carrasco italiano Paolo Rossi decapitou uma das mais brilhantes seleções do mundo, a de 1982. Em 94, o Brasil vivia sob inflação nas alturas e instabilidade política que assustava a democracia nascente. No futebol, nada excepcional, à exceção de Romário. O fleumático Parreira e o experiente Zagalo apostaram no ramerrame eficiente do futebol burocrático. De repente, uma sigla engenhosa, a URV, se transformou numa moeda sólida, o Real; de repente, na decisão dos chutes da marca penal, nossos atletas acertaram o pé, a mão salvadora de Taffarel e o chute torto de Baggio ajustaram as contas de 1982. É tetra! A pergunta é: qual a influência da vitória do futebol na eleição de Fernando Henrique? Nenhuma. A eliminação dos efeitos perversos da inflação crônica, associada à estatura moral e intelectual do candidato FHC, estes sim, foram fatores determinantes do julgamento popular.

Com efeito, o eleitor distingue os momentos – o esportivo e o eleitoral – e não os confunde. Tanto é verdade que na Copa de 1998, a humilhante goleada da França não evitou a reeleição de FHC.

A Copa de 2002. Mais uma vez, Copa e eleição presidencial de mãos dadas. Realizada em dois países asiáticos, depois de hospedada pelo perna de pau Tio Sam, o esporte eurocêntrico, globalizou-se, definitivamente, em 2010, ao chegar à pátria de Mandela. A boa seleção brasileira teceu os laços solidários da “família Scollari”; fez o “Fenômeno” renascer das cinzas; mostrou ao mundo o implacável pé esquerdo do humilde cracaço pernambucano Rivaldo. Resultado: o Brasil é penta. E a eleição? A oposição (Lula) venceu a situação (Serra). O suposto favorecimento da situação com a vitória na Copa, mais uma vez, não bateu com o ânimo do torcedor.

As Copas de 2006 e 2010. Duas derrotas no futebol e duas vitórias eleitorais: reeleição de Lula e eleição de Dilma. Derrotas vergonhosas: a de 2006, apelidei  a competição de “Copagode de celebridades” e, na de 2010, os jogadores (de joelhos) trocaram a letra do hino nacional pelos versos da marselhesa.

A Copa de 2014. Até agora olhamos os fatos pelo retrovisor. Fácil. Afinal, contra fatos não há argumentos. Porém, os fatos mudaram e as percepções também. A vertigem das mudanças ocorridas no mundo inteiro merece, no mínimo, uma apurada reflexão. E esta reflexão resulta do fenômeno universal que são as manifestações de rua. Distintas no tempo e situadas nos mais diversos contextos políticos e histórico-culturais, as manifestações de rua têm vários pontos em comum: interpretam uma emoção coletiva de indignação; refletem profunda descrença nas instituições da democracia participativa; eclodem a partir de uma centelha; movem-se do espaço cibernético para o espaço público.

Nos movimentos brasileiro de junho, a fagulha foi o aumento da tarifa de transporte público. Veio à tona uma torrente de insatisfação que se resume no seguinte: nós não estamos satisfeitos com o Brasil. É aí que entra a percepção de dois brasis: um que não funciona; outro, o Brasil da Copa, que superfatura obras, que promete um legado onacabado, enfim, um país que subverteu prioridades e que tem dinheiro para financiar as prioridades invertidas.

O que está em jogo não é o resultado do jogo: é o contraste entre o Brasil real e o Brasil/FIFA. O clima é desfavorável a quem governa. Parcela considerável dos torcedores descolou da seleção. A Pátria descalçou as chuteiras. Ser campeão é um anestésico passageiro. Remanesce o Brasil real, empacado, mal-humorado, com explosões de violência e rancor social.

Mais que emblema, a Copa tornou-se um problema para o governo. Não ser campeão é uma dor passageira. Não quero viver esta dor. A mim, não importa se tem ou não influência eleitoral. Sou torcedor. A bola rolou, passo a pensar com o coração. Hexa e luxo!

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