Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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Domingo

Gustavo Krause, | sab, 18/05/2013 - 12:50
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O domingo me assusta como me assustam todos os dias que mandam o recado do tempo. O recado do tempo traz as cenas guardadas no velho baú do passado.

O passado é insuportável. É uma crônica de perdas e faltas: ninguém resiste olhar para trás e dá de cara com o mundo que não existe mais.

Então, não olhe para trás. Ou então, retire do baú o passado em pedaços. Pedaços que não machuquem. O passado por inteiro é uma estrada pontilhada de cruzes. E quanto mais extenso é o tempo da memória maior é a extensão e a intensidade das dores e desta palavra única que revela a lembrança que ficou: SAUDADE! 

O outro recado do tempo – o reverso da medalha – é o futuro.

O futuro é o tempo da esperança. Nada mais angustiante do que esperar; nada mais falso do que a esperança. O futuro é uma invenção para aliviar outra invenção medonha da criatura humana: o tempo.

O tempo não existe. Portanto não se parte e nem se mede. Tem uma dimensão cósmica. Misteriosa. Imensurável. É um rio correndo. O agora já foi. É passado. O depois não chegou. É futuro. Uma espécie de linha do horizonte que se distancia quando a gente imagina que está mais perto. O domingo, a semana, os meses, os anos, os séculos, estas medidas, fomos nós que inventamos e, sobre nós, o tempo na sua dimensão humana deixa marcas profundas.

O domingo me assusta porque me empurra para pensar na certeza da finitude e na ilusão da tríade passado-presente-futuro.

Entro em parafuso: fim e recomeço. O primeiro dia da semana que chega ou último da semana que finda?

Depende das convenções, das crenças e, sobretudo daquilo que eu quero que seja o meu domingo já que o tempo é uma invenção humana. Então, vou inventá-lo a partir da inspiração que nos foi legada pelo sopro poético de Vinicius: porque ontem foi sábado (houve um “casamento...um divórcio e um violamento...um espetáculo de gala...uma mulher que apanha e cala...um grande aumento do consumo...um beber e  um dar sem conta...um grande acréscimo de sífilis...todos os bares estão repletos de homens vazios/todos os namorados estão de mãos entrelaçadas/todos os maridos estão funcionando normalmente/todas as mulheres estão atentas”), hoje, o meu domingo é de quietude e nele não há lugar para os pecados capitais.

A preguiça é o descanso merecido que invade os corpos; o máximo de luxúria permitido são corpos horizontais e castamente abraçados; a saciedade dos quereres mata de inveja a inveja; a gratidão das rezas cura o veneno do orgulho; o coração enternecido pela dádiva da vida não deixa lugar para a ira; sei que nada me pertence, para desgosto da avareza; e como o meu domingo foi feito para brincar com crianças e, com elas comer doces, a gula dominical está perdoada.

Lá fora, o amanhecer é vagaroso. O sol se espreguiça e com ele tudo caminha sem pressa. Há um silêncio que acaricia e uma paz que conforta. O meu domingo convida para o encontro e para a renovação do afeto, em qualquer lugar, em todos os lugares, todas as horas.

Amanhã é dia de recomeço. Viver não é uma trégua entre fim e começo. A vida é o milagre da ressurreição. Vale a pena abraçá-la quotidianamente. E sempre aos domingos.

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