Há um escritor, muito querido, que sempre começa papo perguntando o que estou lendo. Como sei de sua implicância, respondo como da primeira vez: “Saramago e Mia Couto”. E começo a rir adiantado, porque adivinho seu resmungo: “Essas tuas porcarias”!
Ele não é exceção. Boa parte dos críticos e autores amigos, de mínima intimidade, tenta me convencer de que gostar de Mia e Saramago não cai bem. “São subliteratura”, “escrevem mal e porcamente”, “são uns mercenários”. Um desses camaradas, ano passado, ficou ainda mais triste:
– Só falta dizer que gosta daquele judeu, o Philip Roth!
– Ué! E você não? – retruquei inocentemente, não percebendo como os três se encaixavam na lista negra.
Até hoje, tento mesmo saber quais critérios definem a mediocridade de Saramago, Mia e Roth. Mas ninguém oferece resposta digna de lembrança, nenhuma análise séria, só uma porção de adjetivos vazios, ou tiradas ainda piores, do tipo “lixo não precisa de estudo não, você olha o saco e logo percebe do que se trata”.
Existem os adeptos do “não li e não gostei”. Algo que até aceito em mesa de bar ou papo de corredor. Duro é quando tenho que ler isso em resenhas ou ouvir em eventos literários, porque a crítica necessariamente requer conhecimento do objeto julgado! Querem se dedicar exclusivamente a Kafka, Joyce e Machado a vida toda? Ótimo! Precisamos de pesquisadores assim. Mas deixem os comentários sem domínio de causa para happy hour e posts de rede social.
Como tenho fé, sigo buscando tirar deles argumento que valha registro. Para isso, decidi provocar, acusá-los de ter quatro critérios para suas sentenças (em ordem crescente de gravidade), que os escritores bons não podem:
Digamos que cada item conta 10 pontos. Se o seu autor preferido juntar 20, é fraco; se pesar 30, é uma farsa; com 40, iguala-se a Paulo Coelho no hall das pragas que corroem o espírito humano – merece sete facadas de lâmina enferrujada!
Medo que bate é de nenhuma outra explicação surgir. Vou acabar acreditando que minha brincadeira/provocação tem tampa, bandas e fundo de verdade.
Enquanto penso na manutenção ou não dessa estratégia tão arriscada, posso reler escritores que me foram indicadas quando perguntei: “quem devo ler, então”? Assomaram nomes como Bernardo Carvalho, Luiz Ruffato, Milton Hatoum e Cristóvão Tezza. Nas investidas originais, não descobri quais razões fazem esses nossos romancistas tão superiores a Saramago, Mia e Roth – o que não significa desmerecer os brasileiros citados (bem pelo contrário).
Contudo, nada que a Quaresma, muitas orações e esforço não resolvam. Hei de ser iluminado por uma frestinha divina que seja, onde aquecer o espírito crítico e acender a lâmpada do discernimento. Enquanto milagre não chega, minhas estantes continuam tranquilamente atulhadas de simpáticas porcarias.