Historiador: o que muda com a regulamentação da atividade?
Professores de História expõem pontos de vista sobre o texto da lei que entrou em vigor na última terça-feira (18)
Após travar uma luta de quase 11 anos no Congresso Nacional, a Lei que regulamenta a profissão de Historiador no Brasil foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O projeto de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), aprovado em fevereiro, foi vetado pelo chefe do Executivo há quatro meses, mas o Senado derrubou a rejeição presidencial.
O texto, publicado na última terça-feira (18) no Diário Oficial da União (DOU), assegura que serão considerados historiadores os diplomados em curso superior, mestrado ou doutorado e pós-graduação no curso de História. A Lei 14.038 também garante o registro dos profissionais junto à autoridade trabalhista competente.
Para a professora Isabella Fernandes e Silva Leme, 33 anos, a norma cerca o ambiente para quem se dedica de modo mais restrito ao tema. "Havia uma falta de unidade ao se contratar serviços nessa área, um leque de diversos profissionais diferentes para executá-los. A regulamentação determina que apenas habilitados na área realizem atividades competentes a isso e deixa mais espaço para os que se dedicam exclusivamente à História", declara Isabella, que ministra a disciplina há 14 anos. Segundo ela, a demora no trâmite da resolução pode ser atribuída à dispensa do imediatismo pelas autoridades. "Esses andamentos costumam demorar bastante, ainda mais quando não é um assunto de natureza que possa ser considerado, para alguns, de urgência", aponta.
Valorização da ciência
O professor de Classe Waldorf, Filipe Martins Gonçalves, 40 anos, comenta que a batalha para que a profissão fosse normalizada entra de maneira irônica no contexto histórico do país, mas estima a importância em se valorizar o conhecimento. "A regulamentação é, acima de tudo, a valorização da Ciência História. É uma luta antiga e uma ironia histórica que tenha sido promulgada por um presidente averso à História e às ciências de um modo geral", diz Gonçalves.
O professor Filipe Martins Gonçalves (de camiseta branca, à dir.) e seus alunos | Foto: Arquivo Pessoal
Formado em História, Geografia e Pedagogia, o professor acredita que a resolução entrega aos verdadeiros responsáveis a incumbência de ministrar aulas que requerem entendimento pleno. "Põe abaixo, de forma oficial, a falsa noção do senso comum de que poderia haver um acúmulo de saberes históricos para dar aula. Eu não tenho como ser químico, biólogo ou físico, embora tenha saberes acumulados nestas ciências, porque são regulamentadas", acrescenta.
De acordo com Gonçalves, embora os historiadores estivessem à frente para melhorar a condição da categoria, a desunião dos profissionais da educação e o viés político-partidário podem ter colaborado para que o andamento do projeto demorasse quase 11 anos para ser oficializado.
Ainda segundo o professor, é fundamental atentar para a não interferência de propostas elitistas ao ofício. "A taxação do livro e o corporativismo advindo da medida podem resultar na elitização da profissão, a real intenção do governo. O historiador é uma traça de livros e não se faz História sem eles. Há uma clara tentativa de elitizar, enviesar para o obscurantismo, e esses são riscos que estamos sujeitos a sofrer no futuro".
Impedimento das negações
Para o professor Cássio Luige, 27 anos, a medida é de suma importância para que erros de versões não avalizadas pela comunidade acadêmica em relação à História sejam cometidos. Para ele, algumas são meras interpretações pessoais dos autores e não respeitam o contexto histórico. "Pessoas de diversas áreas lecionam e escrevem obras de história, que são inseridas na sociedade como verdades. Mas esses erros não ocorrem por acaso. Trata-se, muitas vezes, de negacionismo ou revisionismo da História, no intuito de fundamentar discursos e opiniões políticas injustificáveis", comenta o historiador formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O professor Cássio Luige durante uma aula online | Foto: Arquivo Pessoal
Segundo Luige, a regulamentação tem um futuro promissor. "Este é o caminho para uma história mais próxima da verdade e livre de influências ideológicas. Para isso, é importante que os profissionais da área se mantenham comprometidos com a imparcialidade que, sabemos, é possível ser rompida de forma sutil, mas destrutiva", afirma.
Para o professor, a regulamentação também pode ser um escudo para a preservação do patrimônio histórico brasileiro, e que a esperança da valorização do ofício pode refletir de maneira positiva na absorção de cultura pelos profissionais e pela população em geral. "A esperança é de que haja historiadores presentes nos órgãos públicos, museus, arquivos e outras instâncias. Isso pode proporcionar maior cobrança para a valorização do sucateado patrimônio histórico nacional que é, em grande medida, a matéria prima dos historiadores", complementa.