Ensino superior abre portas para o mercado de trabalho
Pesquisas apontam que cresceu o número de estudantes de baixa renda nas universidades
O ensino superior brasileiro tem quase cinco vezes mais estudantes da camada mais rica da população do que alunos com renda mais baixa. Porém, o número de universitários que estão entre os 20% com menor renda mensal familiar per capita cresceu mais de seis vezes, entre 2004 e 2014. A porcentagem passou de 1,2% para 7,6%. Os números são da última Síntese de Indicadores Sociais (SIS), publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que reúne várias informações, entre elas, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Essa proporção aumentou ainda na rede privada. Em 2004, alunos de baixa renda representavam 0,6% do total de matriculados. Uma década depois, subiu para 3,4%, quase 6 vezes mais. “A busca pela educação ainda é o melhor escape para a condição de precariedade. As pessoas começaram a sentir dificuldade por não ter curso superior, pois quem tinha passou a ocupar as vagas de emprego. Como mais gente tem 3º grau agora, o diploma passou a ser um pré-requisito quase básico”, diz Gustavo Sampaio, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). No contexto geral, mais de 8 milhões de estudantes cursam nível superior, segundo dados do Censo de Educação Superior.
Em sua tese de doutorado, na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, Gustavo escreveu três artigos em que analisa o protagonismo dos alunos de baixa renda no momento do vestibular, o seu desempenho dentro da universidade e o que motivaria uma casual evasão. “O vestibular sempre foi injusto, pois selecionava quem entrava pela renda. O estudantes das melhores escolas eram favorecidos e isso perpetuava a desigualdade intergeracional”, conta.
Porém, segundo ele, dentro da faculdade, a expectativa se reverte. “O aluno que vem do ensino público é o melhor dos melhores da sua escola. Então, geralmente, ele é um dos que mais se destacam”, garante. Um fator importante para essa abertura foi a interiorização da universidades. “O menino da área rural que sai do lugar onde nasceu para cursar o ensino superior quase sempre não volta, ele fica na capital ou em outra cidade. Não gera riqueza para seu lugar de origem. A faculdade no interior diminuiu essa desigualdade”, fala.
Essa opinião é compartilhada pela pró-reitora para Assuntos Estudantis da UFPE, Ana Cabral. “Em Pernambuco, as universidades eram viradas para o mar. Eu ouvia muito isso”, conta. “Existe o antes e o depois da interiorização. Uma faculdade no interior mexe com a economia, com a autoestima do lugar e com a sensação de pertencimento do aluno. Lembro de estar recebendo os estudantes no campus de Caruaru, em 2008. A maioria dos cursos era à noite e eu estava recepcionando eles, junto com o reitor, e um aluno já de meia idade sai do ônibus e diz 'O Brasil olhou para o interior'. Nunca esquecerei”, diz.
A atual gestão do Ministério da Educação (MEC) garante que a interiorização será mantida. “Reafirmamos o compromisso com a manutenção e consolidação do processo de expansão da rede de educação superior, incluindo tanto os espaços físicos quanto o aumento do número de vagas. O MEC regularizou os repasses de custeio para as universidades federais, quitou os atrasados e está retomando as obras paralisadas nas universidades, algumas há cinco anos”, informa o diretor de Políticas e Programas da Educação Superior, Vicente Almeida Junior.
Cotas para alunos de escola pública
A Lei de Cotas, nº 12.711, sancionada em agosto de 2012, garante a reserva de, no mínimo, 50% das vagas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. “Metade dessas vagas ficou garantida para a inclusão de estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio, sendo que metade dessas vagas é destinada a autodeclarados negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência”, esclarece Vicente.
Usando a UFPE como exemplo, Ana Cabral confirma que a medida gerou mudanças significativas. “Temos muitos alunos que são os primeiros da família a ter acesso ao ensino superior. É o resgate de uma cidadania atrasada”, conta, porém sem fazer crítica à medida. “As cotas surgiram como uma transição, enquanto o ensino médio fosse melhorado e todos tivessem a mesma condição de igualdade em um vestibular. Não pode ser permanente”, opina.
Ensino privado
O levantamento intitulado “A relação entre o Fies e o Ensino Superior no Brasil”, realizado pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), em parceria com a empresa Educa Insights, identificou que 83% dos egressos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) são oriundos de escolas públicas e 73% têm renda familiar mensal inferior a 4,5 salários mínimos. "Assim como o ProUni, o Fies é um instrumento importantíssimo para o acesso de milhares de pessoas de baixa renda ao ensino superior. O crescimento de qualquer país tem como principal premissa a educação, e no Brasil não poderia ser diferente. A manutenção desses programas estudantis são, certamente, um dos fatores que tem contribuído para o grande salto que a formação de profissionais vive nos últimos dez anos”, afirma o diretor de programas estudantis do Grupo Ser Educacional, Emerson Lavor.
Em 2015, o custo médio de um estudante em uma instituição federal foi de R$ 20 mil por ano, enquanto, no mesmo período, o custo com o estudante do Fies foi de aproximadamente R$ 10 mil anuais. “Em meados dos anos 2000, as instituições privadas começaram a crescer e assim houve mais abertura de vagas. Isso aliado aos programas de financiamento estudantil oferecidos, com baixos juros, deram impulso ao setor e, por consequência, na qualificação da mão de obra do país. É de conhecimento público que as instituições estaduais e federais não têm capacidade para atender toda a demanda de acesso e o papel das instituições particulares é primordial para suprir essa necessidade”, explica o fundador e presidente do Conselho do Grupo Ser Educacional, Janguiê Diniz.
Nascido em Santana dos Garrotes, interior da Paraíba, Janguiê inaugurou, este ano, em sua cidade natal, um instituto que leva seu nome que oferece, pela primeira vez, cursos de graduação no local. “Algumas pessoas dizem que sou exemplo para os jovens. Mas, gosto muito de ressaltar que tudo que conquistei foi porque, em primeiro lugar, eu sonhei e acreditei. Os estudos eram a minha esperança de dias melhores e aquilo era e é o que me motivava. Se eu tivesse que aconselhar outras pessoas, esse seria meu conselho: estudem e nunca desistam dos seus sonhos. Mas, saibam que no meio do percurso vão existir desafios e que é preciso enfrentá-los para conquistar seus objetivos”, conta.
Matéria integra a série "Eles acreditaram na edução", do LeiaJá. As reportagens trazem histórias de pessoas que conseguiram ascenção social por meio do ensino superior. A seguir, confira as demais matérias:
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