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Canavial, alta tempratura e inchada nas mãos estão longe de fazer parte do cenário ideal para uma criança. Mas essa foi a realidade do jovem médico Jonas Lopes, durante sua infância e adolescência, no município de Joaquim Nabuco, Zona da Mata Sul de Pernambuco. 

Filho de pedreiro e agricultora, Jonas conheceu o trabalho da monocultura de cana de açúcar desde muito novo. A primeira vez que cortou cana foi aos sete anos de idade. Mas foi na adolescência, entre 14 e 15 anos, que começou a trabalhar de fato como cortador de cana para ajudar em casa. 

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“Desde pequeno Jonas sempre foi meu companheiro e também ia comigo para o canavial. Essa foi a forma que achei melhor para mostrar a realidade para ele e que se não estudasse aquilo seria o futuro. Eu tenho sete filhos e ele era o mais danado de todos, mas sempre foi muito inteligente. Eu tive que ser dura com ele para que pudesse entender e aprender o que era importante”, relata dona Edileusa Maria da Silva, mãe de Jonas.

 

Foi no esforço da sua mãe que Jonas encontrou inspiração para lutar pelo que queria. Por ser muito teimoso, chegou a parar de estudar por duas vezes durante a adolescência. Porém, um momento ficou marcado na memória do médico. “Eu era criança, mas lembro como se fosse ontem. Minha mãe precisava comprar a comida da semana e meu caderno da escola, mas o dinheiro que tinha na hora não dava. Ela então diminuiu na feira, mas não deixou de comprar o caderno. Aquilo me marcou muito. Ali eu vi o quanto ela queria que eu estudasse e desde então não parei mais”, detalha.   

O pai de Jonas, seu José Lopes da Silva, era pedreiro, mas nem sempre estava trabalhando, às vezes faltava trabalho e Edileusa tinha que se virar sozinha. “Mesmo com toda dificuldade eu fazia de tudo para que meus filhos permanecessem na escola. Eu queria que eles tivessem o que eu não tive, que foi a oportunidade de estudar. Infelizmente, eu tive que começar a trabalhar muito nova e não estudei, com 15 anos eu já atuava no campo. Gosto muito de trabalhar, dou valor ao serviço que fiz e ainda faço, mas sei que poderia ter vivido melhor se tivesse estudado”, conta dona Edleusa. 

Hoje, com 31 anos e formado em medicina pela Universidade de Pernambuco (UPE), Jonas faz residência no Hospital Maria Lucinda, no Recife, e sonha em ser cardiologista. O médico lembra com orgulho de toda sua trajetória até chegar o dia de receber o tão esperado diploma. Jonas prestou vestibular por quatro vezes até ser aprovado. A primeira em 2006, quando conheceu o sistema de cotas da UPE, porém, levou ponto de corte em química.

Após a primeira reprovação, Jonas passou em primeiro lugar numa seleção simplificada do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para trabalhar por um período de seis meses, em Joaquim Nabuco. Com o salário de R$ 900, Jonas conseguiu, finalmente, juntar dinheiro e pagar o pré-vestibular que ele tanto queria. Foi quando se mudou para Recife e foi morar com sua irmã. 

“Eu já tinha colocado na cabeça que queria medicina e que não ia desistir. Às vezes batia a tristeza, principalmente em 2008, quando já não tinha mais condições porque estava sem trabalhar e o que tinha juntado já havia acabado. Eu dependia da ajuda da minha família. Passei muita dificuldade, cheguei a ficar sem dinheiro para pagar passagem de ônibus, mas não desisti. Foi quando fiz vestibular para medicina pela quarta vez e fiquei no remanejamento, em 2009”, relembra Jonas.

Em 2009, as esperanças se renovaram para o jovem de Joaquim Nabuco. Além de ganhar uma bolsa num curso de matérias isoladas, ele passou em um processo seletivo da Casa do Estudante de Pernambuco e passou a receber auxílio moradia, alimentação e odontológico. “Foi quando pude me dedicar ainda mais aos estudos e consegui a tão esperada aprovação. Como tinha colocado para a segunda entrada, ou seja, só começaria no segundo semestre de 2010, tentei outra seleção do IBGE para o censo de 2010 e novamente fui aprovado”, conta. Jonas trabalhou durante o primeiro semestre de 2010 e depois voltou a se dedicar exclusivamente aos estudos.

Embora já estivesse adaptado à vida na capital, Jonas passou por vários desafios antes e depois de entrar na universidade. “Eu sofri muito preconceito por causa da minha situação econômica. As pessoas criticavam as minhas roupas por não serem ‘boas como as delas’, por exemplo. Quando entrei na universidade eu perdi uma pessoa muito querida, um padrinho meu e tive que ter bastante força para continuar trilhando o caminho para a formação que eu tanto queria”, desabafou. 

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Foram anos de muito estudo e dedicação. Jonas vivia exclusivamente para sua graduação. Estudava por horas e horas todos os dias. “O início foi muito puxado, mas depois eu consegui me adaptar. O amor ao conhecimento foi o que me levou a chegar onde queria sem baixar a cabeça”, afirmou. 

Para Jonas, o ensino superior permite a você buscar cada vez mais o conhecimento, expandir a mente e dependendo da sua área ajudar as pessoas. O ensino superior te propõe se tornar um cidadão melhor, ter acesso ao conhecimento e mudar sua vida, além da recompensa financeira. Hoje, graças a Deus, eu consigo me manter aqui e ainda ajudar em casa.

Matéria integra a série "Eles acreditaram na edução", do LeiaJá. As reportagens trazem histórias de pessoas que conseguiram ascenção social por meio do ensino superior. A seguir, confira as demais matérias:  

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A família de Maurício Siqueira foi umas das primeiras a povoar o Sertão do Moxotó, microrregião do estado de Pernambuco, de clima semiárido, onde chove pouquíssimo. Ele próprio, com menos de 10 anos de idade, presenciou sua primeira grande estiagem. A seca entre 1997 e 1998 matou 100 cabeças de ovelhas do seu avô e mais algumas vacas da família. Nessa mesma época, era preciso utilizar um carro de boi para buscar água potável, há oito quilômetros do sítio no qual vivia com seus pais e 11 irmãos, na zona rural da cidade de Custódia, onde nasceu.

Essa foi a primeira crise hídrica que ele viu, mas não a última. O sofrimento, ao menos, trouxe conhecimento. “O gado sempre morre na seca, mas já tínhamos notado que o bode não, pois ele é mais resistente. A partir dos ensinamentos da minha mãe e do negócio da família, a gente sempre discutia que a atividade econômica mais viável para nossa localidade era a criação de caprinos”, explica. Sua tese de mestrado, concluída em 2016, aborda justamente esse tipo de pecuária, além da agricultura familiar, atividade também praticada por seus pais, e sua potencialidade para o desenvolvimento do Moxotó.

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Maurício, hoje com 27 anos, não tira o sertão da cabeça. Impossível. Deixou aquele no qual nasceu, mas vive em outro semiárido: o alagoano. Ele é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), na cidade de Santana do Ipanema, onde ensina três disciplinas no curso de economia. Realizado profissionalmente, depois de vivenciar todas as dificuldades comuns ao sertanejo pobre, ele briga pela melhoria do lugar de onde veio. “Quando a gente vai pra universidade tem uma função social importante. Voltei para o sertão, não foi o meu, infelizmente, mas voltei. Luto para no futuro voltar de vez para minha terra. Muitos estudam e vão embora, quero fazer o caminho reverso”, garante.


Pau de arara

João Ricardo, pai de Maurício, era agricultor. Além de criar bodes, plantava milho, feijão, hortaliças e frutas. Uma luta diária contra o clima da caatinga. Sua mãe, Marieta, era professora da escola básica. Ambos sempre incentivaram os filhos a estudar, sabendo que as dificuldades seriam maiores, caso contrário. “Lá não tinha perspectiva de mudança, a cidade não tinha nada. Minha mãe dizia que não queria que a gente permanecesse lá, queria que estudássemos”, conta Maurício.

Na zona rural, só existia até a 4ª série. Depois disso os alunos dos sítios tinham que estudar na Agrovila do Dnocs, onde cursavam até a 8ª série. Depois, só na área urbana de Custódia, distante 25 km do sítio de Maurício. O transporte era no pau de arara, caminhão adaptado para transportar pessoas na carroceria. “Era um F 4000 com bancos de madeira e uma lona. Lembro que era do meu primo, alugado pela Prefeitura para levar os estudantes. Pela manhã carregava água e à tarde e à noite, os alunos. Mas isso nunca foi fora da realidade. Nunca achamos ruim, porque era a conjuntura do local”, recorda-se. Isso tudo, ele lembra, sem deixar de cuidar dos negócios da família. Das 6h às 12h, o trabalho era na roça. 

Vestibular

No 3º ano, a engenharia ficou mais complicada ainda. “Eu fazia o ensino médio durante a semana e sábado e domingo, ia para o cursinho pré-vestibular na cidade de Iguaracy, a 70 km de distância. Na sexta-feira eu dormia em Custódia para no dia seguinte de manhã cedo ir para a aula. Passava o fim de semana na casa do meu tio avô que morava lá, voltava domingo e segunda ia pra roça”, afirma.


O sacrifício foi recompensado em 2007, quando passou em ciências econômicas na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), na unidade de Serra Talhada. Porém, a falta de estrutura do campus recém inaugurado deixava o local a desejar. “O prédio era ruim, não tinha estrutura, ônibus. Devido a tantas dificuldades e mesmo assim longe de Custódia, resolvi refazer o vestibular e fui pra Recife, em 2010. Lá já consegui estágio e dois anos depois fui contratado como assistente de pesquisa de uma empresa”, revela. 

No tempo em que viveu na capital, a casa da irmã, no bairro do Arruda, foi seu abrigo. Marleide Siqueira lembra do esforço do irmão que, até hoje, é um modelo para a família. “Eu falo direto que ele é um exemplo. É alguém para as pessoas se inspirarem. Conto a história dele para meus filhos. Eu sei o que é esse sofrimento, também andei de pau de arara e vivi sem água encanada e energia”, lembra. 

Próximo passo: doutorado

De 2012 a 2016, Maurício dedicou-se ao mestrado. Depois começou a estudar para concurso e passou para professor da UFAL. Ao recordar-se de toda trajetória difícil pela qual passou, o orgulho de ter vencido todos os obstáculos não fica escondido nem um pouco. “Tinha época que eu não tinha dinheiro para lanchar. O caminhão quebrou à noite várias vezes, na época de chuva atolava no meio do nada, às 23h. Mas eu faria tudo novamente. Eu me sinto feliz. Você vem do campo e faz uma universidade de qualidade, um curso excelente. Trabalho na minha área, luto pela melhoria do local que trabalho. A maioria dos alunos é da região, são cotistas. Estou realizado, politicamente e como pessoa”, comemora.


Reconhecer a terra de origem e buscar avanços para o local é ainda uma missão que ele pretende seguir. “A mídia vende que lá fora sempre é o melhor. Mas não é. Conheço gente que é dona da própria terra e vai para a cidade trabalhar em subempregos. Vai e volta pior. Hoje sou um ativista da manutenção do campesinato. Na minha tese de doutorado que estou escrevendo agora, vou dissertar sobre a falta de interesse desses jovens em permanecer no campo. Essa ausência de políticas públicas gera desemprego e problemas maiores. Além disso, a segurança alimentar do país entra em colapso, já que grande parte dos produtos são cultivados no interior”, esclarece.

O sítio na zona rural de Custódia não abriga mais nenhum membro da família Siqueira. Seu João Ricardo e dona Marieta faleceram e os filhos ganharam o mundo, mas a casa ainda permanece lá. “Tem um morador que cria animais e ainda produz. Não temos interesse de morar lá, mas também não temos de vender. Deixamos uma pessoa tomando conta para preservar nossa história”, diz. O lar de Maurício é como se fosse um marco zero de toda sua história. “Tive uma mãe ativista que lutava para o desenvolvimento do local, lutava para que a comunidade quilombola da cidade fosse reconhecida. O que sou hoje vem da educação doméstica”, explica.

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Matéria integra a série "Eles acreditaram na edução", do LeiaJá. As reportagens trazem histórias de pessoas que conseguiram ascensão social por meio do ensino superior. A seguir, confira as demais matérias:

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Nem mesmo as adversidades mais sérias impostas pela vida são capazes de destruir sonhos. Existem pessoas que buscam conquistar objetivos e mesmo quando caem diante de problemas, erguem-se e continuam a caminhada rumo às realizações. Capítulos de muitas dessas histórias estão atrelados aos trilhos da educação. O amor pelos livros e salas de aula, além do respeito com os professores que se dedicam a compartilhar conhecimento, são pilares de quem acreditou em um futuro regado por felicidade pessoal e profissional.

Educação é considerada um dos principais meios de ascensão social. Vidas, muitas vezes desacreditadas, se apegam aos livros e aos ensinamentos docentes por acreditarem que podem mudar suas realidades castigadas por desigualdades sociais. Comprovando a importância da formação educacional, existem exemplos de superação de estudantes que alçaram a universidade no topo de suas prioridades. Por meio do ensino superior, conquistaram melhorias para eles próprios e suas famílias, além de disseminar nas localidades onde nasceram o que aprenderam na academia.

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No novo trabalho jornalístico do LeiaJá, deleite-se em histórias em que a universidade foi a chave do sucesso. A série "Eles acreditaram na educação" mostra estudantes, antes vítimas da pobreza, que insistiram nos estudos, concluíram a graduação e hoje desfrutam das conquistas oriundas do ensino superior. A série também traz o panorama geral da atuação das instituições de ensino no Brasil e de que forma elas contribuem para o desenvolvimento do País. A seguir, confira um breve resumo das histórias dos nossos personagens e clique nos hiperlinks para conferir as reportagens completas.

Eles acreditaram na educação

Da busca por comida ao ensino superior - Do interior pernambucano, uma família saiu com destino ao Recife. Acabara de perder o patriarca e já sentia os efeitos de perdas financeiras que acarretariam em uma situação de pobreza. Na cidade grande, uma mãe e várias crianças sofreram sem o dinheiro necessário que pudesse garantir o mínimo de conforto. Na extrema necessidade, os pequenos saíam às ruas para pedir comida.

Na época, a pequena Maristela, aos seis anos de idade, aproveitava a compaixão dos moradores do bairro de Casa Amarela, na Zona Norte do Recife. Recebia pequenas doações de alimento e compartilhava com os irmãos pequenos. Mas a ânsia natural por comida não superou sua fome pela educação. Maristela acreditou nos livros, ingressou e concluiu o ensino superior e hoje trabalha para manter vivos os sonhos de muitos jovens. Na mesma localidade onde pedia comida quando criança, hoje ela é professora universitária e compartilha seu testemunho de vitória com os alunos.

A luta do canavial na memória de um jovem médico - O corte da cana de açúcar fez parte da vida de Jonas. Ao lado dos pais, mesmo na infância, se aventurava entre as plantações da pequena cidade de Joaquim Nabuco, na Zona da Mata Sul de Pernambuco. Em meio à dura rotina, inspirado no honesto e difícil trabalho dos pais, Jonas alimentava o sonho de estudar. Em sua memória, relembra quando a mãe se sacrificou para comprar comida e um simples caderno que serviu aos estudos.

Na juventude, somou inúmeras horas de estudo em busca da provação no vestibular. Se sacrificou, mas valeu a luta. Ingressou na graduação de medicina, concluiu com esforço e hoje é o grande orgulho dos pais que nunca desistiram de apoiar os filhos em nome da educação.

O sertanejo que não abandona as origens - Na castigada terra sertaneja, a seca faz vítimas. Plantação não cresce, o bicho desaparece. Faltam água e esperança. Mas o sertanejo é duro, não cai diante das adversidades, apoiado em uma fé tão firme quanto o terreno seco. Filho de uma agricultor e de uma professora, Maurício viveu essa realidade. Seus pais, sabedores que a educação seria a única forma de esperança profissional, sempre fizeram questão de alertá-lo quanto à necessidade de nunca desistir dos livros.

Maurício, esperançoso como todo bom sertanejo, persistiu e chegou à universidade. Seu percurso continuou firme e forte, até virar mestre em ciências econômicas na cidade grande. Mas o coração bateu forte ao lembrar o sofrido sertão, e hoje preza por compartilhar suas conquistas entre jovens sertanejos, disseminando conhecimento no próprio sertão.

"Meu sonho era entrar na faculdade" - Hoje, o acesso ao ensino superior possui várias possibilidades. Existem programas públicos e vestibulares privados de cursos com mensalidades acessíveis. Mas em épocas passadas, chegar à universidade era difícil para estudantes que não reuniam condições financeiras.

Mesmo em universidades gratuitas, os custos para a manutenção não eram cobertos por algumas famílias brasileiras. E as mensalidades em instituições de ensino privadas também se mostravam como obstáculos. Mas nos últimos anos, um processo de democratização de acesso ao ensino superior proporcionou a entrada de muitos jovens nos braços da universidade. Josivânia, natural do interior de Pernambuco, deixou o local onde nasceu e partiu rumo à cidade grande. Movida pelo sonho de ter nível superior, a jovem não se abalou diante das dificuldades e alcançou, depois de muito esforço, o tão sonhado diploma.

Dona Vera e uma veterinária que a enche de orgulho - É de impressionar a energia da empregada doméstica Vera. O sorriso cheio de brilho condiz com sua força perante os problemas impostos pela vida. Saiu do interior e criou, sozinha, os filhos no Recife. Por anos, trabalhou em mais de 20 casas para garantir conforto a sua família. Ela tinha o sonho de estudar, mas foi proibida por alguns patrões. Certo dia, encontrou um livro entre o lixo; Foi o sinal para que sua luta pela educação persistisse.

A vontade de estudar, sobretudo, reverberou entre suas crianças. Dona Vera era exigente e cobrava notas boas dos filhos. Um deles é Cristiane, que durante a infância acompanhou a luta diária da mãe e também começou a criar a mentalidade de que a educação era importante para a vida da família. Na adolescência, ao acompanhar o trabalho de dona Vera em uma universidade, se deparou com jovens estudando, assistindo aulas, enquanto sua mãe trabalhava duro para manter os espaços acadêmicos limpos. Segundo Cristiane, essa experiência cravou de vez em seu coração o gosto pelos estudos.

Vera, enfim, conseguiu estudar. Cristiane, por mais que tenha vivido situações que poderiam contribuir para sua desistência, concluiu uma formação universitária e continuou fazendo da educação a ponte para a felicidade da família. Hoje é mestre e está prestes a concluir o doutorado em veterinária. Por isso, não economiza agradecimentos para sua querida mãe.

Ensino superior abre portas para o mercado de trabalho - Depois de histórias que emocionam pela perseverança dos personagens em nome da educação, nossa série traz um panorama das instituições de ensino superior, públicas e privadas, no Brasil. Números apontam que houve um crescimento na presença de estudantes de baixa renda em cursos de graduação. Entre os especialistas entrevistados, há a certeza de que a educação universitára, sem dúvidas, pode contribuir bastante para o sucesso pessoal e principalmente profissional dos brasileiros.

Matéria integra a série "Eles acreditaram na edução", do LeiaJá. As reportagens trazem histórias de pessoas que conseguiram ascenção social por meio do ensino superior. 

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O ensino superior brasileiro tem quase cinco vezes mais estudantes da camada mais rica da população do que alunos com renda mais baixa. Porém, o número de universitários que estão entre os 20% com menor renda mensal familiar per capita cresceu mais de seis vezes, entre 2004 e 2014. A porcentagem passou de 1,2% para 7,6%. Os números são da última Síntese de Indicadores Sociais (SIS), publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que reúne várias informações, entre elas, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Essa proporção aumentou ainda na rede privada. Em 2004, alunos de baixa renda representavam 0,6% do total de matriculados. Uma década depois, subiu para 3,4%, quase 6 vezes mais. “A busca pela educação ainda é o melhor escape para a condição de precariedade. As pessoas começaram a sentir dificuldade por não ter curso superior, pois quem tinha passou a ocupar as vagas de emprego. Como mais gente tem 3º grau agora, o diploma passou a ser um pré-requisito quase básico”, diz Gustavo Sampaio, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). No contexto geral, mais de 8 milhões de estudantes cursam nível superior, segundo dados do Censo de Educação Superior.

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Em sua tese de doutorado, na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, Gustavo escreveu três artigos em que analisa o protagonismo dos alunos de baixa renda no momento do vestibular, o seu desempenho dentro da universidade e o que motivaria uma casual evasão. “O vestibular sempre foi injusto, pois selecionava quem entrava pela renda. O estudantes das melhores escolas eram favorecidos e isso perpetuava a desigualdade intergeracional”, conta.

Porém, segundo ele, dentro da faculdade, a expectativa se reverte. “O aluno que vem do ensino público é o melhor dos melhores da sua escola. Então, geralmente, ele é um dos que mais se destacam”, garante. Um fator importante para essa abertura foi a interiorização da universidades. “O menino da área rural que sai do lugar onde nasceu para cursar o ensino superior quase sempre não volta, ele fica na capital ou em outra cidade. Não gera riqueza para seu lugar de origem. A faculdade no interior diminuiu essa desigualdade”, fala.

Essa opinião é compartilhada pela pró-reitora para Assuntos Estudantis da UFPE, Ana Cabral. “Em Pernambuco, as universidades eram viradas para o mar. Eu ouvia muito isso”, conta. “Existe o antes e o depois da interiorização. Uma faculdade no interior mexe com a economia, com a autoestima do lugar e com a sensação de pertencimento do aluno. Lembro de estar recebendo os estudantes no campus de Caruaru, em 2008. A maioria dos cursos era à noite e eu estava recepcionando eles, junto com o reitor, e um aluno já de meia idade sai do ônibus e diz 'O Brasil olhou para o interior'. Nunca esquecerei”, diz.

A atual gestão do Ministério da Educação (MEC) garante que a interiorização será mantida. “Reafirmamos o compromisso com a manutenção e consolidação do processo de expansão da rede de educação superior, incluindo tanto os espaços físicos quanto o aumento do número de vagas. O MEC regularizou os repasses de custeio para as universidades federais, quitou os atrasados e está retomando as obras paralisadas nas universidades, algumas há cinco anos”, informa o diretor de Políticas e Programas da Educação Superior, Vicente Almeida Junior.

Cotas para alunos de escola pública

A Lei de Cotas, nº 12.711, sancionada em agosto de 2012, garante a reserva de, no mínimo, 50% das vagas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. “Metade dessas vagas ficou garantida para a inclusão de estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio, sendo que metade dessas vagas é destinada a autodeclarados negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência”, esclarece Vicente.

Usando a UFPE como exemplo, Ana Cabral confirma que a medida gerou mudanças significativas. “Temos muitos alunos que são os primeiros da família a ter acesso ao ensino superior. É o resgate de uma cidadania atrasada”, conta, porém sem fazer crítica à medida. “As cotas surgiram como uma transição, enquanto o ensino médio fosse melhorado e todos tivessem a mesma condição de igualdade em um vestibular. Não pode ser permanente”, opina.

Ensino privado

O levantamento intitulado “A relação entre o Fies e o Ensino Superior no Brasil”, realizado pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), em parceria com a empresa Educa Insights, identificou que 83% dos egressos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) são oriundos de escolas públicas e 73% têm renda familiar mensal inferior a 4,5 salários mínimos. "Assim como o ProUni, o Fies é um instrumento importantíssimo para o acesso de milhares de pessoas de baixa renda ao ensino superior. O crescimento de qualquer país tem como principal premissa a educação, e no Brasil não poderia ser diferente. A manutenção desses programas estudantis são, certamente, um dos fatores que tem contribuído para o grande salto que a formação de profissionais vive nos últimos dez anos”, afirma o diretor de programas estudantis do Grupo Ser Educacional, Emerson Lavor.

Em 2015, o custo médio de um estudante em uma instituição federal foi de R$ 20 mil por ano, enquanto, no mesmo período, o custo com o estudante do Fies foi de aproximadamente R$ 10 mil anuais. “Em meados dos anos 2000, as instituições privadas começaram a crescer e assim houve mais abertura de vagas. Isso aliado aos programas de financiamento estudantil oferecidos, com baixos juros, deram impulso ao setor e, por consequência, na qualificação da mão de obra do país. É de conhecimento público que as instituições estaduais e federais não têm capacidade para atender toda a demanda de acesso e o papel das instituições particulares é primordial para suprir essa necessidade”, explica o fundador e presidente do Conselho do Grupo Ser Educacional, Janguiê Diniz.

Nascido em Santana dos Garrotes, interior da Paraíba, Janguiê inaugurou, este ano, em sua cidade natal, um instituto que leva seu nome que oferece, pela primeira vez, cursos de graduação no local. “Algumas pessoas dizem que sou exemplo para os jovens. Mas, gosto muito de ressaltar que tudo que conquistei foi porque, em primeiro lugar, eu sonhei e acreditei. Os estudos eram a minha esperança de dias melhores e aquilo era e é o que me motivava. Se eu tivesse que aconselhar outras pessoas, esse seria meu conselho: estudem e nunca desistam dos seus sonhos. Mas, saibam que no meio do percurso vão existir desafios e que é preciso enfrentá-los para conquistar seus objetivos”, conta.

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Uma família retirava da terra o sustento necessário. Da plantação, um pai e uma mãe garantiam a alimentação de 15 filhos, na cidade interiorana de Belém de Maria, na Mata Sul de Pernambuco. Mas quis o destino que a morte levasse o patriarca. Banhadas pelas lágrimas do luto, a mãe e as crianças largaram tudo e decidiram migrar para a cidade grande em busca de uma vida melhor.

Há 40 anos, Maristela Maria Moura Silva, na época aos seis anos de idade, presenciou a triste mudança que acontecera em sua família. Após a morte do pai, embarcou junto com a mãe e os irmãos rumo ao Recife, guiada pela esperança da sua genitora por uma situação digna, em um local onde a geração de empregos, teoricamente, representaria a salvação econômica para as famílias que viveram o êxodo rural. Mas da fartura em alimentos de Belém de Maria restaram apenas lembranças. Na capital pernambucana, a falta de recursos financeiros castigou Maristela e seus familiares.

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"Meu pai plantava, era abundância. Só que meu pai morreu e minha mãe não entendia nada de finanças. A gente teve que ir para Recife, o dinheiro acabou muito rápido. Mãe foi vender livros, mas era um trabalho muito difícil e ainda tinha que pagar aluguel, em uma humilde residência no bairro de Casa Amarela. A situação apertou e uma feira realizada próximo à nossa casa era a salvação, porque a gente aproveitava os alimentos que sobravam para fazer comida. Quando minha mãe saía, pedíamos comida na rua, mesmo contra a vontade dela. Era a necessidade que nos fazia sair às ruas. O limite é a fome, eu brincava com as crianças da rua na esperança de sair comida nas casas delas", relembra Maristela.

As dificuldades, no entanto, não foram capazes de afastar Maristela do universo escolar. A princípio, acompanhava a irmã, já matriculada em uma escola pública do Recife, para receber merenda. Depois, uma professora resolveu matricular Maristela. Era o início de uma caminhada pelos trilhos da educação. "Minha mãe nunca foi em uma escola fazer uma matrícula minha. Foi a professora quem fez a matrícula. Na formatura da oitava série, não tinha a roupa adequada. Tive que pegar emprestado com uma família que nos ajudava muito. Isso ficou registrado na minha memória", relata.

"Foi um sonho essa formatura e eu sabia que aquilo era um passo para a salvação da minha vida. Aprendi com os professores que trabalhar com uma caneta é muito mais fácil. Minha mãe, depois de vender livro, foi trabalhar de serviços gerais no Hospital da Restauração. E foi difícil, ela trabalhava bastante. Eu queria uma vida diferente para mim. A vida me fez entender que a educação é a saída", complementa Maristela.

O tempo passou, as dificuldades persistiram e Maristela não caiu diante das faces da pobreza. Terminou o ensino médio aos 14 anos, período em que começou a trabalhar como garçonete em um bar da área central do Recife. De acordo com ela, o serviço ajudava a garantir recursos financeiros para sua sobrevivência, além do dinheiro ser repartido com a família. Durante o nível médio, também prestou um curso técnico de contabilidade. "Trabalhei de garçonete porque eu precisava de dinheiro para pagar um cursinho de vestibular. Eu precisava passar no vestibular, queria entrar na faculdade. No bar, sexta, sábado e domingo eu virava trabalhando. Até hoje não sei como tive tanta força de vontade", diz.

O sacrifício foi válido. Há 20 anos, Maristela ingressou na graduação de contabilidade em uma instituição de ensino privada do Recife, cuja mensalidade foi bancada com muita dificuldade. Logo depois de atuar como garçonete, ela trabalhou em uma empresa da área contábil, o que melhorou consideravelmente sua condição financeira. "Entrar na universidade, primeiramente, foi um sonho. Era difícil pagar a faculdade, na época universidade era para ricos. Pagava quase R$ 500, era muito dinheiro pra mim. Tive que me virar, estudando sozinha por várias horas, sobrevivendo com dificuldade. Recordo também, na época do curso técnico, que ia andando para aula, da Zona Norte ao Centro do Recife", recorda, emocionada.

Depois da formação universitária, Maristela continuou acreditando na educação e se qualificou em várias pós-graduações. Chegou a cursos de mestrados e está prestes a ingressar no doutorado. O fato mais marcante da sua história, sobretudo, é o fato de que, em frente ao mesmo local onde ela e seus irmãos pediam comida para sobreviver, funciona uma unidade da Facipe, instituição de ensino superior localizada no Recife. E é lá que Maristela, aos 46 anos de idade, ministra aulas de graduação em contabilidade para jovens que, assim como ela, acreditam em um futuro melhor por meio da educação. As aulas de Maristela, por razões louváveis, não se limitam apenas ao conteúdo acadêmico, pois ela se dispõe a conhecer de perto ânsias e as amarguras de seus alunos, para ajudá-los por meio da sua história de vida.

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Hoje, a mãe de Maristela, aos 78 anos, reside de forma confortável, em uma casa bem estruturada, graças à ajuda da filha. Os irmãos da professora casaram, construíram suas famílias e têm a irmã como exemplo de superação. Entre os alunos da docente, é grande a admiração diante de toda história que, aos olhos dos que não acreditam na força da educação, dificilmente resultaria em um final feliz.

Estudante de administração, Thaís Ferreira enxerga várias virtudes na professora Maristela. De acordo com a estudante, a história da professora serve como um exemplo inspirador. "Ela é um exemplo, está sempre conversando com a gente, perguntando se estamos estudando, procurando estágio, emprego ou concurso. Nos motiva com sua linda história, de fato um exemplo para todos. Até mesmo para os jovens que estão desanimados, a história da professora Maristela traz uma esperança muito grande, porque apesar das dificuldades, até mesmos de alimentação, ela motiva", diz a aluna.

Micael Barros, também do curso de administração, exalta o amor da professora pela educação. Para ele, a história o motiva durante a graduação. "A história de vida dela é muito motivacional. Nos faz ver que podemos lutar e vencer apesar das adversidades. Ela chegou a um patamar profissional graças à universidade", conta o estudante.

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É de contagiar a energia positiva da senhora Vera Lúcia da Silva, de 54 anos. O sorriso firme condiz com suas conquistas, atreladas ao sucesso profissional da filha Cristiane Maria da Silva Sérvio, 31 anos. Mas antes de toda essa felicidade que impera na família, há uma história de luta e superação, em que os “nãos” da vida jamais ofuscaram o brilho de duas mulheres que nunca caíram diante das dificuldades. O que existe em comum entre mãe e filha é que a educação sempre esteve no topo das prioridades. Acertadamente, elas acreditaram na força dos livros.

Desde a adolescência, Vera precisou trabalhar. Era de família humilde. Sem ter a oportunidade de estudar quando criança, aos 12 anos de idade começou a prestar serviço de doméstica. Saiu de Ribeirão, no interior de Pernambuco, e se lançou no Recife, pois a cidade grande seria, na teoria, a oportunidade ideal de ascensão econômica. Por muito tempo, trabalhou em residências de famílias com forte poder aquisitivo, e praticamente não tinha espaço para se dedicar à educação. 

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Na fase adulta, teve três filhos. Um deles é Cristiane, personagem importante da dura história de dona Vera. Para manter o bem estar das crianças, a mãe dedicava todo seu tempo aos serviços de doméstica, enquanto os filhos ficaram em Ribeirão sob os cuidados da avó. Era na cidade interiorana que Vera compartilhava seu suado dinheiro. “Minha mãe tomava conta deles lá em Ribeirão e todos os meses eu levava as despesas”, relembra dona Vera.

 

A saudade apertou e Vera resolveu levar os filhos para o Recife. Ela recorda que nunca contou com a ajuda do pai das crianças, precisando tocar a vida sozinha, a base de muito trabalho. Quando Cristiane tinha apenas dois anos de idade, a doméstica construiu um barraco de madeira no bairro de Roda de Fogo, Zona Oeste do Recife, e passou a morar com os três filhos. A situação era crítica, mas Vera não desistia de trabalhar para garantir um futuro digno aos pequenos. “Na época, a pobreza era triste. No trabalho, eu só sabia que tinha hora para pegar. Largava muito tarde”, conta. 

Depois da casa no bairro de Roda de Fogo, a família se mudou para uma residência na comunidade do Detran, também na Zona Oeste do Recife. Foi nessa casa onde Vera reforçou sua visão de que a educação é a única alternativa de mudança social para ela e sua família. Cristiane, aos cinco anos de idade, começou a estudar. Tanto ela quanto os irmãos eram cobrados veemente por bons resultados na escola. A mãe, exigente, não queria que os filhos trabalhassem, apenas deveriam se dedicar aos estudos. 

Enquanto as crianças tinham a oportunidade de conviver com a formação educacional, dona Vera continuava sua luta como doméstica. Relembra de pelo menos 20 casas onde trabalhou de forma honesta e mantendo a esperança por um futuro promissor. No contexto dessa rica história, ela recorda tristes capítulos. “Algumas casas não deixavam eu estudar, era analfabeta. As patroas diziam que eu não podia. Uma vez, no lixo, achei um livro de biologia. Achava um nome interessante e sempre dizia que tinha que arrumar um jeito de estudar. Quando fiz 21 anos, em uma das casas que trabalhava, resolvi estudar, mesmo contra a vontade da minha patroa”, conta dona Vera.

Depois de insistir e continuar acreditando na educação, Vera Lúcia conseguiu conciliar a profissão de doméstica com os livros. Completou o ensino médio – época em que, enfim, conseguiu estudar biologia e desvendar os assuntos da disciplina - e seguiu acompanhando de perto os filhos na escola. Aprendeu a ler, participou de capacitações e ainda sonha em cursar uma graduação. No vídeo a seguir, ela relembra detalhes da sua história:

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Rumo ao doutorado

Cristiane dedica sua felicidade à força de vontade da mãe. Tem orgulho da doméstica que enfrentou a pobreza em prol da educação dos filhos. Se emociona ao lembrar das cobranças e das extensas horas da mãe limpando casas, mas disposta a derrubar o cansaço para responder às atividades escolares junto com os filhos. Era comum Vera acordar Cristiane e os irmãos, todos os dias, por volta das 5h, para resolver os quesitos passados pelos professores, pois não queria pendências nas atividades. Só depois ela seguia sua dura rotina como doméstica.

No ensino fundamental, Cristiane recorda que sua mãe, com muito sacrifício, bancou uma escola privada. “Nunca soube o que era trabalhar. Minha vida foi só estudar graças à minha mãe”, comenta a jovem. Na adolescência, entretanto, acompanhou a mãe durante um serviço que foi responsável por despertar de vez seu gosto pelos estudos. A experiência marcou sua vida.

“O que me fez querer estudar foi quanto fui fazer uma faxina com minha mãe. Ela me levou para eu entender o que ela passava, para dar valor a cada centavo que ela ganhava. Lembro como hoje que a faxina era em uma sala da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A gente deveria limpar os livros de um professor. De repente, vi aquele monte de alunos estudando, entrando nas salas, enquanto minha mãe trabalhava muito duro. Aquilo deu uma angústia no meu coração e a partir daí coloquei como foco na vida que eu deveria estudar”, relembra Cristiane.

De acordo com Cristiane, sua convivência foi intensa com os filhos dos patrões da mãe. Ela recorda que todos admiravam sua sede pelos livros e sempre apoiavam sua vontade de vencer. A jovem voltou a acompanhar a mãe em algumas faxinas em salas de professores da UFPE, aproveitando a oportunidade para conhecer de perto as experiências dos docentes e ler obras que as inspiravam nos estudos.

No decorrer da vida escolar, Cristiane finalizou o ensino médio em escolas públicas e conseguiu ingressar em um curso técnico de agropecuária. Porém, seu grande sonho era ingressar no ensino superior. Para isso, horas e horas foram dedicadas aos estudos, além do enfretamento das dificuldades financeiras que cercavam a família. Aos 20 anos de idade, Cristiane foi aprovada no curso de medicina veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e extravasou em alegria junto à dona Vera. Era só o início de mais uma dura caminhada nos trilhos da educação.

“A única pobre da sala era eu. Quando cheguei na universidade tive muita dificuldade financeira para bancar a passagem. Teve momento em que passei o dia todo na universidade só com um lanche, porque não tinha dinheiro para comer direito. Nunca comprei livro, tive que me virar com cópias. Mãe nunca me negou, sempre dava a quantia que podia, mas ainda não era suficiente. Houve uma época que faltei aulas sem minha mãe saber, porque não tinha mais dinheiro para pagar passagem. Até que um professor descobriu a situação e me ajudou financeiramente, também não esqueço dos amigos que, por várias vezes, pagavam comida e cópias”, relata a veterinária.

As barreiras insistiram, tentaram impedir a caminhada de Cristiane, mas ela sabia que a educação era sua única alternativa de ascensão social. Superou todos os empecilhos e concluiu a graduação. Depois ingressou e finalizou o mestrado, passando a integrar pesquisas científicas do segmento veterinário. Ela relembra ainda, na época da graduação, que até pulou a grade da universidade em um dia de folga, porque precisava dar continuidade a um experimento que exigia prática contínua. Essas e outras histórias são o motivo de orgulho de dona Vera e de professores que acompanharam a caminhada de luta da veterinária. Agora, ela está prestes a concluir o doutorado, mas não cessa de acreditar nos benefícios da educação.

Matéria integra a série "Eles acreditaram na edução", do LeiaJá. As reportagens trazem histórias de pessoas que conseguiram ascenção social por meio do ensino superior. A seguir, confira as demais matérias:

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Por todos os caminhos que existem rumo a uma graduação, as dificuldades diminuíram para os que sonham em entrar em uma faculdade e ter formação superior. Mas nem sempre foi assim. A pernambucana Josivânia Phillipini, 31 anos, lutou muito até conseguir o tão desejado diploma. “Meu sonho era entrar em uma faculdade”, relembra. Hoje, formada em logística pela Faculdade Joaquim Nabuco, unidade Recife, atua em uma empresa do segmento há quatro anos. Segundo a profissional, a universidade teve um papel fundamental para a realização do seu sonho. 

Josivânia nasceu no município de Camocim de São Félix, no Agreste de Pernambuco. Filha de agricultores, precisou aprender a ter responsabilidade desde muito nova. Cuidava dos seis irmãos enquanto a mãe trabalhava durante o dia, e à tarde Josivânia ia para a escola. “Eu não tive infância. Nunca brinquei de boneca, nunca tive um brinquedo. Por ser uma das filhas mais velhas, cuidava da casa e dos meus irmãos. Lembro que minha mãe deixava um ‘banquinho’ perto do fogão para eu preparar o mingau deles. Só depois me dei conta do quão arriscado isso era”, conta. 

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Diante daquela dura realidade, Josivânia viu que só iria mudar de vida se fosse em busca de conhecimento. “Aos 15 anos eu ‘fugi’ para Recife e fui morar com uma tia. Ouvi muito da minha mãe, ela não concordava, mas era o que eu queria. Por outro lado, minha tia disse que eu só poderia ficar se eu trabalhasse e foi isso que eu fiz”, relembra. Na capital pernambucana, começou a trabalhar como doméstica em uma residência. “No começo foi muito difícil, era outra realidade. Mas eu sou muito determinada e não desisti”, relata Josivânia.

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O esforço foi válido. Josivânia finalizou o período escolar e em 2012 ingressou no curso superior de logística. Bancou as mensalidades com o dinheiro oriundo do trabalho como doméstica e dedicou horas e horas da sua vida aos livros e trabalhos universitários. 

Para conciliar o trabalho puxado dos afazeres domésticos com os estudos, Josivânia teve que se desdobrar. Além de organizar a casa onde trabalhava, ainda cuidava de duas crianças, filhas de sua patroa. Em alguns momentos, chegou a desanimar, mas nunca pensou em desistir. Para estudar, ela usava as brechas de tempo que tinha durante o dia, já que aulas eram realizadas à noite. “Era muito complicado. Eu saía muito cedo de casa para trabalhar e voltava tarde da noite. Então qualquer ‘tempinho’ que eu tinha era para estudar. Muitas vezes quando eu conseguia sair cedo do trabalho, ia direto para faculdade ficar na biblioteca estudando, aproveitando aquele tempo antes do início das aulas”, ressalta.  

Embora tenha recebido o apoio da família, em alguns momentos a sua mãe, dona Severina Maria da Conceição, questionava se realmente todo aquele esforço valeria a pena. A agricultora chegou a chamar Josivânia várias vezes para voltar à casa em Camocim de São Félix. “Ela me perguntava sempre porque eu estudava tanto e se eu acreditava que minha vida mudaria com o estudo. Por muitas vezes eu deixei de ir visitar minha família em Camocim para ficar estudando e por continuar trabalhando como doméstica. Hoje eu sou a única filha formada e ela se orgulha demais por isso”.

A graduação foi o ponto transformador na vida de Josivânia. “Além de eu conhecer muitas pessoas, tive muitos professores que me incentivaram e me apoiaram. Isso abriu portas para minha vida profissional. Hoje eu trabalho no Grupo TPC, uma empresa nacional de logística, onde sou reconhecida. Tenho minha própria casa, sou casada e tenho uma filha, e ainda posso ajudar minha família no interior. Não foi fácil, mas tenho certeza que foi a melhor escolha que fiz na vida”, conta, emocionada.  A conclusão do curso ocorreu em 2014.

 

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