Da busca por comida ao ensino superior

Quando criança, Maristela pedia comida no bairro da Casa Amarela, no Recife. Hoje, na mesma região onde buscava alimentos, ela conduz aulas universitárias

por Nathan Santos ter, 30/05/2017 - 11:51
Paulo Uchôa/LeiaJáImagens Maristela busca motivar seus alunos para a vida profissional Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Uma família retirava da terra o sustento necessário. Da plantação, um pai e uma mãe garantiam a alimentação de 15 filhos, na cidade interiorana de Belém de Maria, na Mata Sul de Pernambuco. Mas quis o destino que a morte levasse o patriarca. Banhadas pelas lágrimas do luto, a mãe e as crianças largaram tudo e decidiram migrar para a cidade grande em busca de uma vida melhor.

Há 40 anos, Maristela Maria Moura Silva, na época aos seis anos de idade, presenciou a triste mudança que acontecera em sua família. Após a morte do pai, embarcou junto com a mãe e os irmãos rumo ao Recife, guiada pela esperança da sua genitora por uma situação digna, em um local onde a geração de empregos, teoricamente, representaria a salvação econômica para as famílias que viveram o êxodo rural. Mas da fartura em alimentos de Belém de Maria restaram apenas lembranças. Na capital pernambucana, a falta de recursos financeiros castigou Maristela e seus familiares.

"Meu pai plantava, era abundância. Só que meu pai morreu e minha mãe não entendia nada de finanças. A gente teve que ir para Recife, o dinheiro acabou muito rápido. Mãe foi vender livros, mas era um trabalho muito difícil e ainda tinha que pagar aluguel, em uma humilde residência no bairro de Casa Amarela. A situação apertou e uma feira realizada próximo à nossa casa era a salvação, porque a gente aproveitava os alimentos que sobravam para fazer comida. Quando minha mãe saía, pedíamos comida na rua, mesmo contra a vontade dela. Era a necessidade que nos fazia sair às ruas. O limite é a fome, eu brincava com as crianças da rua na esperança de sair comida nas casas delas", relembra Maristela.

As dificuldades, no entanto, não foram capazes de afastar Maristela do universo escolar. A princípio, acompanhava a irmã, já matriculada em uma escola pública do Recife, para receber merenda. Depois, uma professora resolveu matricular Maristela. Era o início de uma caminhada pelos trilhos da educação. "Minha mãe nunca foi em uma escola fazer uma matrícula minha. Foi a professora quem fez a matrícula. Na formatura da oitava série, não tinha a roupa adequada. Tive que pegar emprestado com uma família que nos ajudava muito. Isso ficou registrado na minha memória", relata.

"Foi um sonho essa formatura e eu sabia que aquilo era um passo para a salvação da minha vida. Aprendi com os professores que trabalhar com uma caneta é muito mais fácil. Minha mãe, depois de vender livro, foi trabalhar de serviços gerais no Hospital da Restauração. E foi difícil, ela trabalhava bastante. Eu queria uma vida diferente para mim. A vida me fez entender que a educação é a saída", complementa Maristela.

O tempo passou, as dificuldades persistiram e Maristela não caiu diante das faces da pobreza. Terminou o ensino médio aos 14 anos, período em que começou a trabalhar como garçonete em um bar da área central do Recife. De acordo com ela, o serviço ajudava a garantir recursos financeiros para sua sobrevivência, além do dinheiro ser repartido com a família. Durante o nível médio, também prestou um curso técnico de contabilidade. "Trabalhei de garçonete porque eu precisava de dinheiro para pagar um cursinho de vestibular. Eu precisava passar no vestibular, queria entrar na faculdade. No bar, sexta, sábado e domingo eu virava trabalhando. Até hoje não sei como tive tanta força de vontade", diz.

O sacrifício foi válido. Há 20 anos, Maristela ingressou na graduação de contabilidade em uma instituição de ensino privada do Recife, cuja mensalidade foi bancada com muita dificuldade. Logo depois de atuar como garçonete, ela trabalhou em uma empresa da área contábil, o que melhorou consideravelmente sua condição financeira. "Entrar na universidade, primeiramente, foi um sonho. Era difícil pagar a faculdade, na época universidade era para ricos. Pagava quase R$ 500, era muito dinheiro pra mim. Tive que me virar, estudando sozinha por várias horas, sobrevivendo com dificuldade. Recordo também, na época do curso técnico, que ia andando para aula, da Zona Norte ao Centro do Recife", recorda, emocionada.

Depois da formação universitária, Maristela continuou acreditando na educação e se qualificou em várias pós-graduações. Chegou a cursos de mestrados e está prestes a ingressar no doutorado. O fato mais marcante da sua história, sobretudo, é o fato de que, em frente ao mesmo local onde ela e seus irmãos pediam comida para sobreviver, funciona uma unidade da Facipe, instituição de ensino superior localizada no Recife. E é lá que Maristela, aos 46 anos de idade, ministra aulas de graduação em contabilidade para jovens que, assim como ela, acreditam em um futuro melhor por meio da educação. As aulas de Maristela, por razões louváveis, não se limitam apenas ao conteúdo acadêmico, pois ela se dispõe a conhecer de perto ânsias e as amarguras de seus alunos, para ajudá-los por meio da sua história de vida.

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Hoje, a mãe de Maristela, aos 78 anos, reside de forma confortável, em uma casa bem estruturada, graças à ajuda da filha. Os irmãos da professora casaram, construíram suas famílias e têm a irmã como exemplo de superação. Entre os alunos da docente, é grande a admiração diante de toda história que, aos olhos dos que não acreditam na força da educação, dificilmente resultaria em um final feliz.

Estudante de administração, Thaís Ferreira enxerga várias virtudes na professora Maristela. De acordo com a estudante, a história da professora serve como um exemplo inspirador. "Ela é um exemplo, está sempre conversando com a gente, perguntando se estamos estudando, procurando estágio, emprego ou concurso. Nos motiva com sua linda história, de fato um exemplo para todos. Até mesmo para os jovens que estão desanimados, a história da professora Maristela traz uma esperança muito grande, porque apesar das dificuldades, até mesmos de alimentação, ela motiva", diz a aluna.

Micael Barros, também do curso de administração, exalta o amor da professora pela educação. Para ele, a história o motiva durante a graduação. "A história de vida dela é muito motivacional. Nos faz ver que podemos lutar e vencer apesar das adversidades. Ela chegou a um patamar profissional graças à universidade", conta o estudante.

Matéria integra a série "Eles acreditaram na edução", do LeiaJá. As reportagens trazem histórias de pessoas que conseguiram ascenção social por meio do ensino superior. A seguir, confira as demais matérias:  

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