Queixas da longevidade: o drama dos idosos sem trabalho

Depois de anos dedicados a uma função, velhinhos tentam se acostumar com uma vida limitada. Personagens mostram o que pode ser feito para amenizar a mudança e exemplos de idosos que continuam trabalhando

por Nathan Santos seg, 01/09/2014 - 18:18

Com um olhar sereno, quieto no canto do sofá e cheio de dificuldade para entender o que as pessoas falam ao seu redor. Severino Luiz de França, com impressionantes 104 anos de idade, relembra da época que começou a trabalhar, ainda criança. Em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, já trabalhara com agricultura. Com 18 anos, em busca de uma melhor qualidade de vida, Severino, ou simplesmente seu Biu, partiu para a capital do Estado, com sua esposa – que já faleceu -. No Recife, depois de se dedicar a trabalhos braçais no ramo da construção civil, já com seus 20 anos, ele começou a se dedicar ao artesanato, por meio da confecção de caqueiras de cascas de coco – objetos que servem para o plantio de mudas ou plantas adultas - .

Foi com essa atividade que seu Biu criou oito filhos. O trabalho representou para ele dignidade e principalmente sentimento de utilidade. “Tinha saúde e gostava muito de trabalhar”, diz emocionado, ao conversar com a nossa reportagem. Pela idade e por causa de recomendações médicas, Severino parou de fazer as caqueiras há cerca de um ano. Porém, o senhor tentou quebrar a orientação em alguns momentos. Tentativa que não deu certo, uma vez que a baixa visão e a falta de habilidade com as mãos - que não é a mesma como anos atrás - atrapalham a confecção do produto. “Fico muito triste. Minha vida agora é ficar de braço cruzado”, comenta, com voz arrastada e trêmula.

É com um contexto desse que muitos idosos se deparam. O conceito de longevidade acaba sendo manchado pela impossibilidade deles trabalharem ou desempenharem atividades do dia a dia. É por isso que alguns velhinhos absorvem o sentimento de inutilidade e muitas vezes acabam desenvolvendo doenças físicas e até mesmo psíquicas. Entretanto, segundo a geriatra Sandra Brotto Furtado, do Instituto de Medicina do Idoso de Pernambuco (Imedi), é preciso analisar caso a caso. “Cada idoso e sua capacidade laborativa devem ser analisados de forma individualizada. Hoje temos pessoas em idade avançada com plena capacidade de trabalho. Não existe uma regra fixa ou idade chave para a aposentadoria. Esta deve ser discutida diante da vontade do paciente e das suas condições de saúde”, explica a médica.

No caso de seu Biu, os familiares tentam mantê-lo feliz com a atual rotina. Rodeado de filhos, netos e bisnetos, o antigo fazedor de caqueiras vai levando a vida sem agitação, porém, não é o suficiente para conformá-lo sobre a recomendação de deixar de trabalhar.

De acordo com a geriatra Sandra Brotto, é importante que a adequação à ausência do trabalho seja feita de forma gradativa. Segundo ela, atitudes erradas podem causar depressão nos idosos. “O ideal é que essa transição seja feita de maneira gradual com redução da carga horária e com a ocupação por outras atividades na sua rotina, sejam elas de lazer, voluntariado ou para aprendizado de um novo hobby, como uma língua estrangeira ou curso de computação. A forma compulsória de aposentadoria atual, onde um dia se trabalha e no outro se fica em casa, pode sim fazer surgir um quadro depressivo. Por isso algumas empresas já possuem uma forma de preparo para aposentadoria nos anos anteriores, como forma de minimizar essa transição de estilo de vida”, destaca.

Ainda segundo a médica, os familiares têm um importante papel nessa brusca mudança. “É sempre importante ouvir e respeitar a vontade do idoso em questão. A família se torna peça fundamental nestes anos após a aposentadoria para engajar o idoso numa rotina prazerosa e desafiadora que aproveite todo seu potencial físico e cognitivo, além de buscar ajuda profissional caso do aparecimento de sintomas depressivos como falta de ânimo, choro desmotivado e embotamento social”, finaliza Sandra.

Cuidados com a longevidade

A necessidade de conviver com os idosos e entender como é a melhor maneira de mantê-los felizes, mesmo quando impedidos de trabalharem nas funções que desempenharam ao longo da vida, incentivou a criação de cursos de capacitações. Como exemplo, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) em Pernambuco promove o Curso de Cuidador de Idosos. Segundo o coordenador pedagógico da qualificação, Ricardo Coelho, os alunos têm interesses diversos. “A gente não tem apenas alunos da área de saúde. Temos também pessoas interessadas em cuidar de familiares”, explana Coelho.

Uma das professoras do curso, a enfermeira Viviane Ferrer, sempre aborda em suas aulas como é delicado o momento que o idoso precisa deixar de trabalhar. “Isso pode causar depressão no idoso. É triste quando ele se vê privado. É importante que as famílias achem uma terapia ocupacional para preencher o cotidiano dele”, opina.

Elayne Bione, além de aluna do curso, tem uma experiência dentro da sua própria casa. A mãe dela tem 66 anos e durante toda a vida profissional atuou como professora. Diagnosticada com diabetes, a idosa tem problemas de visão e agora se depara com uma realidade de incapacidade para exercer o que sempre fez de melhor. “Minha mãe está perdendo a autonomia e não se conforma com isso. Ela sempre diz que não justo com ela, depois de tantos anos trabalhando. Eu procuro sempre conversar e acho importante interagir. É um momento complicado e idosos nesta fase precisam de apoio da família”, relata Elayne.

No vídeo abaixo, a professora e psicóloga do Curso de Cuidador de Idosos do Senac, Luciane Ferraz, e a cuidadora com 8 anos de experiência, Maria Conceição Gomes, também compartilham experiências com idosos. Assista:

Quando a idade não atrapalha

Um total de 700 funcionários, 100 mil clientes atendidos mensalmente, lojas presentes em importantes capitais do Nordeste. Esses números são apenas parte das responsabilidades de seu Jurandir Pires, 79, fundador da rede de utensílios de mesmo nome, a “Jurandir”. Natural de Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú de Pernambuco, o empreendedor fundou em 1963 uma loja que vendia tecidos.

Mais de 50 anos depois, o empreendimento de seu Jurandir é referência no Nordeste como uma das principais empresas do ramo de utensílios, instituição conduzida por ele e seus filhos. Apesar da idade avançada, o empresário continua a visitar diariamente as lojas localizadas no Recife, bem como realiza atividades administrativas e chega até a receber clientes.

Para seu Jurandir, o que leva um idoso a continuar trabalhando tem um motivo. “Primeiro a necessidade de trabalhar, de estar perto do negócio. Depois, quando o sujeito se recolhe a pior, ele fica muito mal. Vou trabalhar até eu puder. Nunca disse que estava cansado após um dia de trabalho. Quando o dia é cheio de atividades, chego em casa, tomo um banho e vou dormir. No outro dia, estou pronto novamente”, conta Pires.

Segundo o empresário, ter um empreendimento é importante para que um idoso continue a trabalhar. “O segredo é ter um negócio para trabalhar. Se for funcionário, você é útil para a empresa até certa idade”, opina. Perguntado sobre a saúde, seu Jurandir conta que faz exames de rotina, além de atividade física. “Faço caminhada. Como digo aos meus amigos, só vou morrer quando quiser”, diz o empresário, de forma descontraída.  

APOSENTADORIA - Por lei, pessoas a partir dos 65 anos podem se aposentar no Brasil, desde que tenham trabalhado em empresas privadas. Trabalhadores do setor público obrigatoriamente devem se aposentar aos 70 anos de idade. Porém, segundo o advogado Giovanne Alves, especialista em direito público e processual e material do trabalho, o patrão não pode exigir que um funcionário de instituição privada, ao atingir os 65 anos, solicite ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) a aposentadoria. “A aposentadoria do setor privado não é compulsória. Ninguém é obrigado a se aposentar”, destaca o advogado.

De acordo com Alves, quem já conquistou a aposentadoria pode continuar trabalhando, recebendo inclusive o salário de aposentado e a remuneração do atual emprego. Segundo ele, um processo que aconteceu há alguns anos e que ainda hoje pode ocorrer é o da “desaposentação”. Alves explica que é possível, por meio da Justiça, solicitar o cancelamento da aposentadoria. Após o cancelamento, o solicitante pode voltar a trabalhar em uma nova empresa, passando a receber um salário mais alto. É possível também conquistar uma nova aposentadoria com um novo salário.  

 

 

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