O que o Brasil aprendeu com o 8 de janeiro?
Especialistas comentam o legado dos ataques antidemocráticos orquestrados por grupos bolsonaristas que paralisaram o Brasil e ameaçaram as instituições
Desde o resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, quando o presidente Lula (PT) foi eleito pela maioria dos votos válidos, o Brasil passou a ser palco de manifestações de grupos de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL). Acampados em frente a Quarteis Generais do Exército em diversos estados, os bolsonaristas pediam intervenção militar e derrubada dos poderes institucionais que constituem o estado democrático de direito.
Há exatamente um ano, manifestantes que estavam acampados em frente ao Quartel General do Exército de Brasília se dirigiram à Praça dos Três Poderes, invadindo o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Desde então, representantes institucionais do país mobilizaram as forças de segurança, de inteligência e de Justiça, com o objetivo de identificar, localizar e prender os envolvidos.
O cientista político Arthur Leandro, em conversa ao LeiaJá, explica que o caráter golpista dos eventos é negado pela defesa dos acusados, sob o argumento de que os protestos fazem parte do jogo democrático.
“Mas o que aconteceu foi que houve uma mobilização efetiva e precisa de salvaguarda institucional como reação a essa investida realizada no dia 8 de janeiro de 2023. Houve de fato um momento em que a opinião pública, uma parte expressiva, eu diria que dominante, observou atônita o que acontecia, e isso garantiu naquele momento que o presidente tivesse uma capacidade, digamos assim, ele tivesse um apoio das instituições envolvidas, das lideranças políticas relevantes do país naquele momento, para implantar o governo”, comentou Leandro.
Segundo o professor Maurício Garcia, sociólogo e pesquisador, as prisões dos manifestantes, mesmo sendo um ponto positivo para o trabalho das instituições, devem ser vistas com a devida atenção, tendo em vista que os financiadores não foram punidos, enfraquecendo, de certo modo, o discurso de que o bolsonarismo foi combatido de modo eficaz.
“A prisão de alguns manifestantes teve essa intenção, mas não acredito que ainda tenha surtido efeito. O bolsonarismo radical é um fenômeno sociológico, mais que político, ele transcende a esfera política, e deve ser observado com cuidado. (...) Apenas a prisão de alguns golpistas mais radicais, na grande maioria pessoas financiadas por outras pessoas mais influentes, não vai resolver a situação, nem 'botar medo' nos demais. Pelo contrário, é possível que o ódio deles pelo grupo que está no poder atualmente até se eleve pela punição que lhes está sendo imposta”, afirma.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Consequências positivas e negativas
Um dos pontos principais que os especialistas observaram foi um movimento de união dos poderes, que fez com que as ações necessárias fossem tomadas de maneira célere. Como comenta Arthur Leandro, houve a “facilitação de um processo de união nacional, contrário aos ataques. Então o poder judiciário, o poder executivo e o poder legislativo, nas suas duas casas, se uniram”.
Para Maurício Garcia, outro entendimento observado foi a atuação das Forças Armadas, que demonstraram eficiência e ao mesmo tempo preocupação. “As Forças Armadas cumpriram suas atribuições constitucionais de garantidores da ordem, não de promotores da desordem. Houve deslizes graves por parte de segmentos das Forças Armadas, mas seu comando, apesar do forte solavanco do 8 de janeiro, se manteve fiel ao seu papel constitucional de dar segurança à sociedade, não de ameaçar a sua ordem”, ponderou.
Foto: Joedson Alves/Agência Brasil
Bolsonaro para os bolsonaristas
O cientista político Arthur Leandro ainda analisa o papel do ex-presidente da República como um motor para os levantes que se deram após a sua derrota nas urnas. Uma consequência observada foi o isolamento político de Bolsonaro, que continuou calado após os ataques, e sua saída da cena pública.
“Havia de parte dos golpistas uma expectativa de que Bolsonaro assumiria, que haveria uma intervenção militar, e que Bolsonaro assumiria como interventor. Na cabeça de alguns, inclusive, Bolsonaro assumiria como legítimo presidente, com a destituição do governo Lula. O que aconteceu foi que o Supremo Tribunal Federal foi empoderado para agir sobre os financiadores do 8 de janeiro, o que terminou envolvendo também os organizadores dos acampamentos em frente às instituições das unidades militares do país que pediam intervenção militar”, afirmou Leandro.
Outro ponto observado pelo professor Maurício Garcia é o que foi feito durante o ano todo, a remediação e as reações do bolsonarimos diante da repressão praticada desde o 8 de janeiro. “Durante o ano outros protestos desse grupo foram organizados, não deram certo porque não havia mais clima, mas a raiva e o ódio desse grupo mais radical à direita ao atual governo é algo muito profundo e perigoso”, concluiu o sociólogo.