No Senado, Raquel Lyra questiona papel do pacto na reforma
Governadora pernambucana se uniu aos gestores estaduais que são críticos à centralização da administração do IBS em Brasília
A governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), participou do debate sobre a reforma tributária no Senado Federal, após proposta do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que reuniu 19 líderes do Executivo no Congresso, nesta terça-feira (29). O texto da reforma tem gerado preocupações e divergências entre os parlamentares, após ser aprovado pela maioria da Câmara dos Deputados.
Na maior parte dos discursos, os governadores se mostram preocupados com a administração tributária, mas o centro das críticas é o chamado conselho federativo.
Lyra, que compartilha da mesma opinião que quase a totalidade dos governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, se colocou contra a centralização da administração de arrecadações em Brasília, conforme sugerido pelo conselho. O argumento é de que as arrecadações e investimentos para Pernambuco seriam reduzidos e que o conselho centralizado aumentaria a desigualdade regional, o que contraria o intuito do pacto federativo, previsto na Constituição Federal de 1988.
“Faço uma reflexão sobre o papel e os princípios que a reforma tributária, a meu ver, devem seguir. Falo em consenso com os governadores do Nordeste brasileiro, de onde o senhor [Veneziano Viral do Rêgo, senador pelo MDB da Paraíba] vem. Temos no Brasil muitas injustiças e desigualdades, sociais e regionais, encrustadas na história do povo brasileiro. A reforma tem o papel de conseguir combatê-las, diminuindo a carga tributária sobre aqueles que têm menos recursos. A tributação em cascata sendo eliminada permite que aqueles que têm menos, paguem menos, e aqueles que podem contribuir mais, paguem mais. Do ponto de vista da desigualdade regional, é evidente que o Norte e o Nordeste brasileiros carecem de uma atenção especial no que diz respeito a tratar sobre as nossas receitas”, afirmou a governadora no início da fala, no plenário.
Raquel citou que a Região Metropolitana do Recife (RMR) é a mais miserável do Brasil, número que surgiu e prevaleceu ainda no início da pandemia da Covid-19. Também destacou as dificuldades do acesso à água, problema que atinge mais de dois milhões de pernambucanos.
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Como exemplo sobre a disparidade e celeridade dos investimentos, comparou a seca e os problemas de distribuição ao episódio da reserva da Cantareira, em São Paulo, que recebeu R$ 4 bilhões em menos de dois meses. Em contraste, falou sobre a obra da adutora do Agreste, na transposição do Rio São Francisco, que nunca foi realizada por completo e deve chegar ao fim da primeira etapa até o final deste ano. A gestora também informou os congressistas sobre os problemas da malha rodoviária de Pernambuco e da qualidade das estradas – das 10 piores estradas do Brasil, três são do estado.
“O Nordeste brasileiro é visto como parte do peso para o restante do país. Não queremos fazer aqui uma disputa regional, pois já saímos perdendo por muito tempo. A reflexão que fazemos é sobre a necessidade do combate às injustiças sociais, e essas injustiças passam necessariamente pelo combate às desigualdades regionais. Por isso, o Fundo do Desenvolvimento Regional será um dos temas a nos permitir inverter a lógica e virar o jogo na qualidade de vida dos nossos estados e passar a figurar nos melhores indicadores sociais. Política pública de verdade só se faz com dinheiro e não eliminando nossos impostos sem permitir que a gente possa ter contraponto para investir, garantir logística, água e ter competitividade”, acrescentou.
O Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) é uma proposta dos governadores para que os estados mais pobres possam investir em infraestrutura e reduzir seus diferenciais de produtividade em relação aos mais ricos. Na última semana, foi divulgado o Índice de Competitividade dos estados brasileiros, pelo Centro de Liderança Pública de São Paulo. Entre os 10 primeiros estados, nenhum era do Norte ou Nordeste.
“Quando a gente fala do conselho federativo, estamos discutindo o pacto federativo. A Constituição fez uma federação aqui invejada pelo mundo inteiro, com participação de competências, mas também com atribuição de recursos. Ao longo do tempo, o pacto foi desvirtuado. Olhando para a fala de diversos governadores, se nós não colocarmos luzes sobre os números, não sabemos o que iremos encontrar a partir da reforma tributária. A gente corre o risco de ter um pacto falido, mais do que temos agora”, concluiu Lyra.
O posicionamento de outros líderes
Governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade)
“Que ela [a reforma] venha para simplificar o sistema tributário e promover justiça social e fiscal. O que incomoda a mim e outros governadores é sobre a governança do conselho da federação. A ideia do conselho, filosoficamente falando, é importante, mas se ela é um conselho da federação, os entes federativos precisam se sentir representados. Se há um conselho em que uma região se sobrepõe à outra, se perde o sentido de conselho federativo. O conselho precisa representar a federação”.
Governador do Amazonas, Wilson Lima (União)
“O ponto que mais interessa ao Amazonas é a Zona Franca de Manaus. Não há como abrir mão da Zona. Sem ela, o Amazonas vira terra arrasada. Algumas coisas no âmbito da reforma nos preocupam com a nova modelagem de cobrança no destino e com o desaparecimento do IPI, Confins, PIS. Como isso vai acontecer se esse é o principal instrumento utilizado para garantir a competitividade das empresas?
[...] O outro ponto é sobre o fundo. Precisamos de clareza sobre como o fundo será administrado, qual a fatia de cada estado e como vamos administrar perdas. O Ipea divulgou um estudo que mostra o Amazonas como o estado que menos vai participar desse bolo, com uma perda de 34%”.
Governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT)
“O conselho federativo tem que ter o mesmo peso que o Senado Federal. Paridade entre os 27 pontos. [Não] podemos cometer o mesmo erro do sistema atual, de privilégios e exceções, em vez de ser um sistema de regras. Todo segmento econômico busca o governo para tentar estar numa regra privilegiada, mas o sentido da reforma é diminuir as exceções e os privilégios e peço que a gente não amplie ou não reduza a quantidade de exceções. O princípio da reforma é que os entes não percam arrecadações”.
Conselho Federativo
A comissão federal que tem tratado dos impostos abordados na reforma tributária, em Brasília, e criticada pela governadora Raquel, foi criada pelo Governo Lula em abril deste ano. O conselho se trata de um colegiado extraordinário, criado para gerir o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), que passaria a ser controlado pela União. Atualmente, o texto da reforma se encontra sob apreciação no Senado, após aprovação na Câmara dos Deputados.
Pacto federativo
O pacto federativo está previsto da Constituição Federal de 1988 e dispõe dos dispositivos que configuram a moldura jurídica, as obrigações financeiras, a arrecadação de recursos e os campos de atuação dos entes federados. O debate em torno do pacto federativo que está sendo travado atualmente no Congresso Nacional gira em torno, sobretudo, de questões fiscais.
De acordo com a Constituição de 1988, a República Federativa do Brasil é composta pela parceria indissolúvel de estados, municípios e distrito federal. A organização político-administrativa brasileira compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição.