Quando o sobrenome traz mais problemas do que votos
No Rio de Janeiro, os filhos de Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Jorge Picciani não mencionam os pais em suas campanhas
Sobrenomes conhecidos disputam vagas na Câmara dos Deputados pelo Rio com discrição - pelo menos em relação às linhagens. A tática foi adotada por Danielle Cunha, filha do ex-deputado Eduardo Cunha, Leonardo e Rafael Picciani, filhos do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, e Marco Antônio Cabral, primogênito do ex-governador Sérgio Cabral, que está preso. Na TV, nenhum deles faz menção aos pais políticos.
A conduta contraria uma tradição no Estado, onde, em parte, a ligação familiar substituiu a liderança partidária. O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), elegeu ex-mulher e filhos. Há outros casos, como os sobrenomes Maia, Garotinho e Brazão.
A filha de Eduardo Cunha - ex-presidente da Câmara condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Lava Jato - não aparece ao lado do pai, que tenta se eleger deputado por São Paulo, em nenhuma postagem nas redes sociais oficiais ou na propaganda eleitoral obrigatória no rádio e na TV. Danielle tem apoio do União Brasil, do governador Cláudio Castro (PL), que tenta a reeleição, e de líderes evangélicos no Estado. O partido já investiu R$ 2 milhões na campanha dela.
Outra família conhecida na política fluminense, os Piccianis tentam retomar a influência construída pelo pai no Estado e o protagonismo do MDB. Jorge, ex-presidente da Alerj, foi preso na Operação Furna da Onça e acabou condenado por corrupção. Morreu em maio do ano passado.
Um de seus filhos, o ex-deputado Leonardo Picciani, ex-ministro do Esporte de Michel Temer (MDB), assumiu o comando da legenda no Rio. Agora, busca uma vaga na Câmara após quatro anos sem cargo eletivo. O irmão, Rafael, quer representar os Piccianis na Alerj. Os dois escondem o sobrenome e, nas redes, usam apenas o prenome.
Marco Antônio Cabral, filho do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) - que continua preso por 22 condenações que somam cerca de 400 anos de prisão -, também tenta uma vaga no Congresso. Foi eleito para a Câmara pela primeira vez em 2014. Em 2018, em meio à crise da Lava Jato e com o pai preso, teve cerca de 20 mil votos e não se elegeu. A tática para tentar voltar é a mesma - fazer campanha sem citar a ligação familiar - apesar da semelhança física.
TRADIÇÃO
Cientista político e professor da PUC Minas, Malco Camargos disse que os herdeiros de nomes conhecidos da política, em tese, são beneficiados pelo espólio político dos familiares e estrutura partidária. "Na tradição política brasileira, votos são tratados como espólio que são transferidos de geração para geração."
Para o especialista em marketing político Marco Iten, a estratégia das campanhas é traçada de acordo com o passado político familiar. "Se um político tem um histórico de investigações, condenações, é natural que a campanha tente desassociar a imagem do candidato do seu parente", afirmou.
O cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, por sua vez, disse que a tática pode ser efetiva, mas o eleitor busca candidatos alinhados com o combate à corrupção. "Se o tema surge na campanha, isso pode atrapalhar os planos", observou.
A reportagem não conseguiu contato com os candidatos citados.