União e sobriedade: os 88 anos dos Alcoólicos Anônimos
Relatos de voluntários explicam como funciona a irmandade e o impacto das sessões na recuperação pessoal e social
*Para preservar o anonimato, foram utilizados nomes fictícios.
“A bebida começou a interferir no meu relacionamento e na minha vida como um todo. A decadência foi tão rápida que eu comecei a perder espaço na empresa onde trabalhava, a perder espaço em casa, comecei a ser negligente e a ter um comportamento bastante distorcido, mas não admitia. Eu carregava as características de uma pessoa com problemas de alcoolismo e negava a realidade, não associava a minha forma de agir e o problema à bebida. Para mim, o problema sempre estava nos outros”.
Luiz* é um voluntário na irmandade dos Alcoólicos Anônimos do Brasil e responsável pela equipe de divulgação do grupo em Pernambuco. Aos 60 anos de idade, celebra, junto à comunidade que o acolheu, quase 33 anos de sobriedade, que fecham o ciclo exato no próximo mês de julho. O depoimento dele, apesar de suas particularidades, é similar a muitos outros ouvidos pelas pessoas que enfrentam o alcoolismo.
O lema de “beber com moderação” se perde especialmente entre os homens. De acordo com a Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel 2019), do Ministério da Saúde, o padrão de consumo de 18,8% da população brasileira é de bebedor abusivo. Entre os homens, esse percentual é de 25,4%. Em 2010, esse número era de 27%.
A ingestão de bebida alcoólica entre as mulheres, no entanto, aumentou nesse período. Em 2010, 10,5% delas tinham um consumo abusivo. Em 2019, esse percentual subiu para 13,3%. O levantamento também mostrou que subiu o consumo abusivo entre pessoas com mais de 55 anos. Em 2010, o percentual era de 8,9. Já em 2019, de 10,3%.
Em confronto às tendências de consumo do álcool no país, surge a irmandade dos Alcoólicos Anônimos (AA), que completou, neste mês, 88 anos de vida. O AA, que opera a nível mundial, surgiu em 1935, nos Estados Unidos. Após 12 anos, em 1947, chegou ao Paraná, no Sul do Brasil. Em Pernambuco, o primeiro escritório foi montado apenas em 1964, durante a ditadura militar. O escritório de Luiz, que funciona no Centro do Recife, existe há 51 anos, desde 1972.
A experiência
Luiz tinha 27 anos quando conheceu um grupo do AA na capital pernambucana. Ele foi convencido por um tio, que tinha conhecidos passando pelo processo de adaptação, bem como outros que já se encontravam em estado de sobriedade, mas seguiam participando das reuniões. Esse comportamento, segundo o voluntário, é bem comum entre os membros. Todos se consideram uma grande família, costumam ser participativos nas vidas pessoais uns dos outros, e mantém contato ainda que a sobriedade esteja sólida há muito tempo.
O integrante acredita que motivos pessoais o empurraram para o álcool, como uma forma que ele encontrou de sair da própria realidade. O contato com a bebida começou cedo, aos 14 anos, e o surgimento da paternidade de duas crianças, aos 21 e 23 anos, acabou por torná-lo imerso em suas responsabilidades. “Comecei a trabalhar cedo, isso me deu autonomia para beber mais. Eu tinha como pagar, saía com gente mais velha, vivia fora de casa”, relata Luiz.
O primeiro relato de Luiz exibido aqui conta que ele percebeu ter perdido espaço na empresa onde trabalhava. Agora, 33 anos depois, ele celebra a oportunidade de ter passado mais 12 anos trabalhando no mesmo local, de onde saiu para experiências ainda melhores, isso também depois de ter recuperado a boa relação com sua esposa. Tudo graças ao AA, de acordo com o voluntário.
“As pessoas notavam um comportamento de irresponsabilidade. O alcoólico tem um comportamento de muita intolerância. Grosseria, truculência, falta de paciência, a coisa da negação, a defesa. Tinha muito orgulho e vivia fora da realidade. As coisas aconteciam e eu não via. Todo mundo via, menos eu. Comecei a mentir muito, a dar muita desculpa. Aí ele [o tio] contou a história dele e como conseguiu resolver entrando no AA. Fui para uma reunião pela primeira vez e não entendi bem, mas percebi muita coisa. Senti de forma muito positiva o AA porque tive a sensação de acolhimento, porque fui recebido pelos companheiros. Me deu prazer e satisfação estar ali”, completa Luiz.
André*, de 74 anos, é um companheiro de AA de Luiz. Os dois se conheceram através da irmandade, há mais de duas décadas, e hoje dividem as responsabilidades do voluntariado no grupo recifense. André está sóbrio, de forma contínua, há 39 anos. Ele explica que no AA não há contratações, todos são voluntários e funcionam, de fato, como uma irmandade independente e autossuficiente.
“O voluntário se coloca à disposição para servir. Independente de qualquer cargo, por si só, um membro de AA já é um voluntário. Há só um propósito: o de acolher o alcoólico que ainda sofre. O companheiro sem cargo nenhum tá lá e ajuda. Se ele se levanta e vai entender, ele é um voluntário. A irmandade não pode contratar ninguém”, explica André.
Para os irmãos, as reuniões são trocas de experiências, forças e esperanças. “Eu estou há 42 anos participando do AA e não tenho nenhuma dúvida de que sobrevivi à morte. O comportamento com relação às emoções que me levaram a beber foram todos trabalhados no AA. O primeiro ponto do programa de AA é a sobriedade. Evitar o primeiro gole. A gente passa a gostar do novo modo de vida. O mais importante pra mim é o controle das minhas emoções. Eu procurava medidas fáceis, álcool, droga”, conta.
A irmandade dos Alcoólicos Anônimos tem 355 grupos funcionando presencialmente em Pernambuco e quem cuida de cada reunião são os servidores do local. No Brasil, são quatro mil grupos. Durante a pandemia, eles passaram a fazer encontros on-line para manter o ritmo e o formato continua existindo mesmo após o retorno do presencial. Uma das conquistas do AA Brasil foi a condição de ter reuniões virtuais mais extensas e com links pro Brasil todo, sem custo adicional na plataforma do Google Meet.
Onde encontrar ajuda em Pernambuco?
O escritório matriz da irmandade dos Alcoólicos Anônimos em Pernambuco fica no Empresarial Pessoa de Melo, no endereço Avenida Conde da Boa Vista, número 50. O funcionamento do escritório acontece entre às 8h e 17h, de segunda a sexta-feira. Lá, interessados podem buscar informações e ser realocados para grupos de atendimento que pertencem às suas regiões ou bairros. Só no Recife, há 88 grupos disponíveis, com reuniões semanais.
A listagem completa você confere aqui.
Alguns dos grupos
Grupo Espinheiro (Recife)
R. Conselheiro Portela, s/n, Aflitos
Igreja Matriz do Espinheiro
Anexo da Igreja Matriz do Espinheiro
Reuniões: terças-feiras, das 19h30 às 21h30
Grupo Caminho Certo (Recife)
R. São Miguel, 87, Afogados
Escola Estadual Amaury de Medeiros
Reuniões: sábados, das 16h às 18h / domingos, das 10h às 12h
Grupo Derepente (Recife)
R. Severino Bernardino Pereira, 289, Alto José do Pinho
Sede Própria
Reuniões: terças, das 19h30 às 21h30 / quintas, das 19h30 às 21h30
Grupo Só Por Hoje (Recife)
R. Cassiterita, 91, Brejo da Guabiraba
Sede Propria
Reuniões: segundas, das 19h às 21h / quartas, das 19h às 21h / domingos, das 16h às 18h
Grupo Barra de Jangada (Jaboatão dos Guararapes)
R. Rio Pardo, 148, Barra de Jangada
Capela de Santo Antônio
Reuniões: segundas, das 19h às 21h
Grupo 13 de Maio (Jaboatão dos Guararapes)
Av. Leonardo da Vinci, S/N, Curado 2
Escola Municipal Simon Boliva
Reuniões: quartas, das 19h30 às 21h30
Grupo Abraham Lincoln (Cabo de Santo Agostinho)
R. Dr. Antônio de Souza Leão, 115, Centro
Igreja do Livramento
Reuniões: terças, quintas e domingos, das 19h às 21h