Mães solo compartilham desafios da adoção monoparental
Importância das redes de apoio ganham destaque no contexto mono, que costuma carregar estigmas e ser inferiorizado em relação à constituição padrão de família
“Maternidade solo só é ruim quando é compulsória”: relatos de mães solo, ouvidas pelo LeiaJá neste Dia das Mães, ajudam a construir o retrato de um tipo de lar já muito comum no Brasil, mas que enfrenta estigmas e falta de suporte, em muitos casos. Esse cenário fica ainda mais desafiador quando se fala na adoção solo, ou adoção monoparental, que garante às pessoas solteiras o direito de buscar habilitação para a adoção em todo o país.
Esse direito está previsto na Constituição Federal, em seu Artigo 226, no qual "entende-se, também, como entidade familiar, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes". Além disso, está previsto no Artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente que "podem adotar os maiores de 18 anos, independente do estado civil".
“Não acreditavam que eu ia seguir sozinha depois de uma separação recente. Eu era perguntada ‘Por que está fazendo isso se é tão difícil? Como vai dar conta?’. A maternidade é um processo de muita solidão e me perguntavam por que eu optei por isso. No trabalho e entre as minhas amigas, algumas ficaram sem acreditar. ‘Tantas mulheres são abandonadas’ e eu estava optando por isso, mas isso não me abalou porque era a minha decisão. A gente não tem como ter noção do quão difícil será. Passei por situações que eu gostaria de ter tido uma pessoa para dividir, perguntar e combinar o que fazer”, desabafa a professora Ada Lira, de 54 anos.
Ada mora no Recife com a filha, a irmã e a sobrinha. Bianca, de 14 anos, foi adotada pela professora em 2008, quando tinha apenas 10 anos de vida. A adolescente, apesar de não ter sido gerada pela mãe, foi aguardada por anos e compôs um sonho antigo que a educadora tinha a respeito da maternidade. Como acontece com tantas outras mulheres, Ada não conseguia engravidar. Ela também nunca chegou a realizar tratamentos para gestar, já que o acompanhamento médico sempre indicou normalidade e um problema nunca foi formalmente diagnosticado.
A mãe conta que Bianca chegou a ser um plano seu junto ao seu ex-marido, mas que o conflito de interesses entre querer um filho biológico e optar pela adoção acabou pesando na decisão de romper o relacionamento.
“Como [a gravidez] não acontecia e o tempo ia passando, resolvemos entrar no processo de adoção. Estávamos habilitados, mas meu ex-marido não se sentiu confortável e entramos num processo de separação. Ele não se sentia bem em relação à adoção, o que foi um dos motivos para a separação. Refiz o meu processo para a adoção solo, porque o meu sonho de ser mãe era forte e presente na minha vida. Na época o processo era mais rápido que hoje em dia e foi aceito logo no início do ano”, continuou Ada.
De acordo com a adotante, o casamento ajudou o processo a ser desburocratizado. Como à época, a atualização dos dados era mais lenta, ela pôde alcançar a habilitação ainda com as informações de quando era casada e isso reduziu um potencial período na fila.
“Como antes eu já estava habilitada com ele, na fila, quando eles [CNJ] me ligaram foi que souberam que me separei. Aceitei e consegui sozinha. Minha família é extensa e deu todo o apoio. Sempre tive a aprovação deles. Ela foi adotada pelos avós, tias e primos, todos ficaram muito felizes. Minha rede de apoio foi a família, porque para adotar sozinho há de se pensar que vá se precisar, uma hora e outra, de parentes e amigos”, acrescenta.
O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atesta que existem quase 34 mil crianças e adolescentes abrigadas em casas de acolhimento e instituições públicas por todo país. Destas, 5.040 estão totalmente prontas para a adoção, e 160 estão em Pernambuco. Apesar do perfil de quem adota ter se tornado mais diverso, o processo também ganhou maior cautela e rigorosidade.
“O processo ficou mais cuidadoso, com mais detalhes e acho que até em detrimento da proteção das crianças, para que sejam realmente adotadas por quem quer formar família. Hoje o processo é minucioso, existem algumas exigências que, na minha época, não existiam. Por exemplo, a realização do curso pela Vara da Infância e da Adolescência, a obrigatoriedade de participar dos grupos de adoção e de participar de quatro reuniões durante um ano, mesmo após a habilitação”, informa Ada, que concluiu a principal parte do processo décadas atrás.
Perguntada sobre os estigmas e também sobre as dificuldades da maternidade solo, Ada diz que, quando forçado, o processo é ruim e solitário. É ruim quando a maternidade é compulsória. A maioria das mulheres engravidam de um companheiro, pelo qual estão envolvidas, apaixonadas ou até casadas e, de repente, se veem sozinhas. São abandonadas. Muitas são mães solo mesmo casadas, porque o companheiro não participa das decisões e nem dos cuidados como deveria. Então, mesmo acompanhadas, elas se sentem só. Assim, deve ser muito dolorido, porque você queria dividir o cuidado, as decisões, as alegrias e as tristezas, e não tem o apoio”, finaliza.
A adoção no Brasil
A autorização para adotar crianças e adolescentes, no Brasil, deve ser solicitada no Juizado da Infância do domicílio da pessoa que deseja ser pai ou mãe por adoção, nos moldes do Art. 50 da Lei Federal nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA).
Qualquer pessoa, maior de 18 anos, independente do estado civil, que deseja adotar criança ou adolescente deve requerer a inscrição no Sistema Nacional de Adoção (SNA), por meio de Processo de Habilitação à Adoção, regulado pelo ECA.
Confira abaixo os requisitos necessários e procedimentos que são realizados em Pernambuco.
1. Realizar o pré-cadastro no sistema nacional de adoção e acolhimento
A pessoa interessada em adotar deve acessar o site do SNA para realizar o pré-cadastro de pretendente. Ao finalizar esse procedimento, deve anotar/salvar o código fornecido pelo sistema. Ressalta-se que apenas o pré-cadastro não garante a habilitação. O pretendente somente será considerado habilitado após a sentença de deferimento proferida no procedimento de habilitação. Clique aqui para realizar o pré-cadastro no SNA.
2. Contatar a vara da infância e juventude ou vara única da comarca do município onde reside
Os pretendentes deverão entrar em contato, por telefone e/ou e-mail, com a Vara responsável em sua Comarca, solicitando informações sobre o processo de habilitação e inscrição no curso preparatório de pretendentes à adoção. Para inscrição no curso, deve informar nome completo, CPF, endereço, telefone e e-mail de contato (se for casal, precisa enviar os dados de ambos(as) na mesma mensagem de e-mail).
3. Realizar o curso preparatório de pretendentes
Com as informações recebidas por e-mail a equipe da Vara fará a inscrição do(a) pretendente para participar do curso preparatório, que pode ser presencial ou na modalidade à distância.
4. Participar nos grupos de apoio à adoção
Essa importante etapa é obrigatória para algumas comarcas e opcionais para outras. O pretendente deverá verificar com a sua Comarca as informações específicas e o encaminhamento para os encontros que poderão ser presenciais ou online. Embora não seja obrigatório em todas as Comarcas, o TJPE recomenda a participação nas reuniões dos Gaa´s (Recomendação 03/2022 CIJ-PE).
5. Juntar a documentação necessária para habilitação
A documentação para adoção está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas é possível que seu estado solicite outros documentos.
6. Dar entrada no processo de habilitação
Os documentos devem ser digitalizados e enviados por e-mail para o Distribuidor referente à Vara da Infância e Juventude de sua Comarca, que formalmente dará entrada em seu processo de habilitação. Registre-se que a natureza desse processo é administrativa, não necessitando de representação de advocacia privada ou Defensoria Pública. Clique aqui e confira os e-mails das comarcas.
7. Participar de entrevista, visitas domiciliares e demais procedimentos determinados
Concluídas essas fases, o juri decidirá sobre os requerimentos do Ministério Público e sobre a necessidade de audiência. O Juízo tem prazo de 120 dias para sentenciar o processo. Se necessário, o prazo pode ser prorrogado por mais 120 dias.
8. Aguardar a sentença de habilitação transitada em julgado
O juiz definirá a sentença julgando se a pessoa/casal será ou não habilitada/o para adotar. Se a sentença for favorável, após o trânsito em julgado, o(a) pretendente será incluído(a) no SNA.
9. Aguardar a convocação
Com a inclusão dos pretendentes no SNA, os mesmos estarão automaticamente aptos no estado e em todo o país, podendo ser contatados por qualquer comarca que possua crianças e adolescentes com seus perfis definidos.
10. Renovar a habilitação após três anos
Caso não adote em um período de três anos após a habilitação, o(a)(s) pretendente(s) deve(m) solicitar à sua Vara a renovação da habilitação. Essa renovação deve ocorrer a cada três anos, mediante avaliação por equipe interprofissional e nova decisão judicial pela manutenção da habilitação.