Mãe critica abordagem do censo IBGE para pessoas autistas
A lei federal 13.861, de 2019, obrigou que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) entrasse na pauta dos próximos censos demográficos
Enquanto as atenções se voltam à disputa política, o censo demográfico é realizado no Brasil com o atraso de dois anos. Esta é a primeira vez que o levantamento aborda o Transtorno do Espectro Autista (TEA) em seu questionário, mesmo com a estimativa de dois milhões de pessoas com autismo no país. Responsável por orientar as metas das políticas públicas a cada década, a metodologia aplicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é questionada por uma mãe recifense que representa a luta por direitos ao autista.
Seja dentro da Câmara Municipal do Recife ou na movimentação contra o rol taxativo da Agência Nacional de Saúde (ANS) para o atendimento de planos de saúde, Maria Silva, que mora em Boa Viagem, Zona Sul da capital pernambucana, convive com os desafios do universo do TEA há 7 anos, idade do filho. Atuante em organizações e grupos de pais de crianças autistas, ela afirma que poucas pessoas da sua rede de relacionamento foram perguntadas pelo IBGE sobre a temática.
Obrigação legal
Sancionada em 2019, a lei federal 13.861 obrigou que o TEA entrasse na pauta dos próximos censos. Por outro lado, a versão dividida em dois questionários pode não garantir que o número total de pessoas com autismo no país seja delineado pelo IBGE.
"Todos que responderam à pesquisa do censo, responderam o formulário geral, ou seja, quantas pessoas que têm filho autista não vão responder? Como eu conheci várias pessoas depois que eu descobri que meu filho é autista, eu tenho vários outros amigos e outros grupos do Recife que trabalham com essa temática, e está todo mundo preocupado porque a maioria que perguntei não foi consultado com esse formulário específico”, apontou Maria.
Formulário com autismo abrange cerca de 10% dos domicílios
O IBGE explicou que o estudo é feito com os questionários "universo" e "de amostra". Também chamado de "questionário básico", o primeiro é aplicado a cerca de 90% dos domicílios visitados pelos recenseadores, com 26 questões sobre assuntos como idade, sexo, raça, alfabetização, saneamento básico etc. O outro é aplicado para os outros 10%, o que representa mais de 7,5 milhões de casas no país, conforme o instituto. Considerada a versão "ampliada" da pesquisa, ela agrega as perguntas do questionário básico com outros temas como fecundidade, religião, deficiência, deslocamento para estudo, trabalho, mortalidade e autismo.
Os recenseadores não têm autonomia e esses dois formulários aparecem em seus dispositivos de forma aleatória, o que impossibilita a escolha de qual será aplicado mesmo que o entrevistado queira participar da versão mais detalhada. “Se pegar 11% de pessoas que não têm autismo? Porque a pesquisa é aleatória e vai identificar que no brasil a gente não tem pessoas com autismo. Quando sair o resultado não tem mais o que fazer, é passar 10 anos sofrendo porque fechamos os olhos”, lamentou.
Censo como base para ações propositivas do Governo
Maria insiste na importância de uma pesquisa que assegure o índice total de autistas no Brasil já que a oportunidade de ampliar os direitos passa pelo resultado do censo. Na sua visão, o problema de um panorama que não seja fiel reflete na insuficiência de profissionais para o diagnosticar e oferecer atendimento.
“Não tem profissionais suficientes para diagnosticar essas crianças. Como vão aumentar a quantidade de neuropsiquiatras, psicopedagogo e outros profissionais se não se sabe quantos autistas têm no Brasil?”, questionou a mãe.
Ela explica que há um gargalo para validar os laudos de TEA e que esse documento é fundamental para a marcação de consultas e vagas em terapias. Outros direitos como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a carteirinha que isenta a tarifa do transporte urbano passam por este laudo.
IBGE garante retrato fiel do cenário
O IBGE destacou que a metodologia é a mesma aplicada em outras pesquisas historicamente conceituadas, como a PNAD Contínua, e que segue as recomendações internacionais no módulo de deficiência. O instituto considera a pesquisa como "suficiente para permitir um retrato detalhado e profundo da população e seus atributos em todos os municípios do país - especialmente do espectro autista" e observou que não há possibilidade de subnotificação.
“Essa forma de trabalhar permite que o IBGE faça o censo mais rapidamente e com economia de recursos. Ambos os questionários permitem que se obtenha dados detalhados da população, com informações para o Brasil, as 27 unidades da federação e para cada um dos 5.570 municípios do país, sem possibilidade de subnotificação”, comunicou em nota.