Jovem morre em cadeia no mesmo dia em que seria libertado
A morte foi registrada na segunda-feira, 10, mesma data em que presídio recebeu o alvará de soltura do jovem após a sentença de absolvição no caso
O entregador Briner de Cesar Bitencourt, de 22 anos, morreu neste mês após contrair uma doença em uma unidade penitenciária do Tocantins em que cumpria prisão preventiva sob acusação de tráfico de drogas. A morte foi registrada na segunda-feira, 10, mesma data em que presídio recebeu o alvará de soltura do jovem após a sentença de absolvição no caso.
Bitencourt estava preso desde 12 de outubro do ano passado, quando a Polícia Militar encontrou uma plantação com 88 pés de maconha e 10,8 quilos da droga em um imóvel que ele dividia com duas outras pessoas, que também foram presas na oportunidade. A defesa sustentava que o jovem não tinha ligação com a posse da droga, que pertenceria aos outros inquilinos. Um ano depois, a Justiça reconheceu o argumento e mandou soltá-lo.
Ao longo do mês de outubro, o entregador vinha se queixando de sintomas como náusea e dores abdominais. Ele foi atendido no dia 3 de outubro e, no dia 6, foi levado a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA).
Dias depois, um novo boletim médico mostrou um atendimento noturno com pressão baixa do paciente. Briner foi recolhido pelo Samu à meia-noite do dia 9 e levado para a Unidade de Pronto Atendimento Sul, "consciente, orientado, verbalizando", anotou o técnico responsável pelo encaminhamento.
Na UPA o médico atestou que o paciente contou estar com sintomas havia 14 dias com "piora progressiva" até aquele dia, quando entrou na unidade com dor abdominal intensa, hipotensão, vômitos, fezes escuras, fraqueza extrema e respiração difícil (taquidispnéia).
Com baixa saturação, ele foi entubado, mas dez minutos depois teve parada cardiorrespiratória. A equipe que o atendia aplicou adrenalina de 3 em 3 minutos, por nove ciclos de dosagem, mas a circulação sanguínea não retornou espontaneamente e ele morreu às 4h15, segundo atesta o boletim médico da UPA.
Naquele mesmo dia 10, às 14h46 a Justiça assinava o alvará de soltura de Briner. Às 15h17, o chefe da Unidade Penal Regional de Palmas, Thiago Oliveira Sabino de Lima, comunicou a morte em ofício ao juiz Allan Martins Ferreira.
Advogada de Briner, Lívia Machado Vianna esclareceu que o cliente sublocou um quarto na casa com os dois rapazes, com entrada independente do outro cômodo, que era o do fundo, onde havia uma parede falsa e uma espécie de estufa onde a maconha era cultivada. Ela afirma que o cliente não tinha nenhuma participação no tráfico, comprovada pelos testemunhos e pela análise do celular de Briner.
A advogada afirmou ter apresentado provas do emprego fixo e certidão sem antecedentes criminais em pedido feito para revogar a prisão preventiva, que foi mantida. "Tudo foi apresentado mas o Judiciário não concedeu a revogação da preventiva, e o manteve preso, sob a justificativa é que era muita droga apreendida".
A audiência de instrução do processo do motoboy ocorreu em maio deste ano, mesmo mês em que a Justiça negou liberdade a Briner com o fundamento da garantia da ordem pública e da ordem econômica e por conveniência da instrução criminal.
Na quarta-feira, 12, dois dias após a morte, a defesa pediu e a Justiça fixou um prazo de 24 horas para o governo do Tocantins fornecer imagens da enfermaria, da cela dele e do pátio do banho de sol, e corredores que interligam estes ambientes na cadeia entre os dias 6 e 10 de outubro. A família quer entender o que ocorreu dentro da prisão e qual tipo de atendimento o estado deu ao filho.
Presidente do Conselho Penitenciário do Tocantins, a advogada Sibele Letícia Rodrigues de Oliveira Biazotto questionou a necessidade de o Judiciário ter mantido o motoboy preso por quase um ano, sem nenhuma sentença. "A preventiva tem sido utilizada como uma punição antecipada, sem sequer saber se a pessoa será condenada, sem sequer saber se é mesmo que seja se a pena resultaria em um regime no sistema fechado", avalia.
Para a presidente, o problema que resultou na morte não é apenas o da demora do alvará. "Não é a demora do tempo de julgamento e de sentença e não foi só a manutenção dessa preventiva. Foram fatores que ocorrem com todos os brasileiros todos os dias que é essa forma de se investigar começando por aí que é essa forma de se encarcerar, de se manter encarcerado e de não se resolver o problema", avaliou.
Trâmite normal, diz Justiça sobre o caso
Em nota, a 4ª Vara Criminal da Comarca de Palmas, onde tramitou o caso do motoboy, defende que os "fortes indícios de participação na prática delitiva" foram o motivo que justificou a prisão preventiva. "Entretanto, a prova colhida em contraditório não foi suficiente para sua condenação", reconhece, no texto.
"O processo obedeceu ao trâmite normal, sem qualquer evento capaz de macular ou atrasar o andamento do feito, uma vez que havia pluralidade de réus patrocinados por advogados diferentes, o que denota a duplicação dos prazos para manifestarem-se nos autos", defende o Tribunal de Justiça.
O TJ afirma não ter havido "ofensa ao princípio da razoabilidade que ocasionasse qualquer ilegalidade na manutenção da prisão cautelar do acusado" e reforça que a responsabilidade da custódia das pessoas presas é do Executivo Estadual.
A Secretaria Estadual da Cidadania e Justiça (Seciu), responsável pelo sistema prisional, afirma que prestou "toda a assistência necessária ao custodiado" e o laudo com a causa ainda não foi consolidado e informado à unidade penal.
O órgão destaca que Briner foi acompanhado pela equipe de saúde em diversas consultas e também encaminhado para atendimento especializado em unidades de saúde da capital, porém sem diagnóstico fechado a tempo.
A secretaria também afirma que não comunicou nenhuma vez à família sobre o estado de saúde do detento "devido ao sigilo médico/paciente" e por "não haver diagnóstico fechado pelas equipes médicas em tempo até a data do óbito."
Também afirma ter cumprido os "protocolos executados em caso de óbitos de custodiados" com assistência no funeral, pagamento dos custos e o suporte para velório.