Trabalhador brasileiro ainda amarga desvalorização

Mesmo com os avanços históricos, desrespeitos assombram diferentes categorias profissionais num mundo cada vez mais voltado para o capital

seg, 03/05/2021 - 20:07

No último sábado (1), foi comemorado o Dia do Trabalho. Apesar dos direitos conquistados ao longo dos anos e de ser extremamente importante para todas as esferas da sociedade, a classe trabalhadora ainda não tem a devida valorização. Em tempos de pandemia, todas as categroais foram afetadas. Na educação, os profissionais precisaram se adequar à nova realidade.

Gilberto Marques, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e diretor-geral da Associação dos Docentes da UFPA (ADUFPA) diz que a classe trabalhadora, como um todo e na sociedade em que vivemos, produz riqueza e faz a economia girar. “Isso tanto é verdade que existe uma pressão muito grande para que não seja decretado o lockdown nacional, ou mesmo os regionais, estaduais e municipais. Se é declarado o lockdown para enfrentar a covid-19, a economia para porque trabalhadores param de trabalhar e se os trabalhadores e trabalhadoras param de trabalhar, cessa a produção de riqueza na sociedade em que vivemos”, explica.

O economista relata que os trabalhadores são a classe que mais morre por causa do novo coronavírus. “É só ver quais são os extratos populacionais que mais morrem, são os extratos que possuem menor renda e que moram na periferia. Se você comparar Paraisópolis e Morumbi, ficam um do lado do outro, um é o bairro chique e o outro é a favela de Paraisópolis, você vai ver que o percentual de morte em Paraisópolis é muito maior que no Morumbi, em São Paulo”, exemplifica.

Ele expõe que essa mesma classe já estava sofrendo com o desemprego e a pandemia da covid-19 impulsionou a crise econômica que, por sua vez, além de desemprego, causa a diminuição do salário. Gilberto afirma que, segundo o IBGE, o Brasil tem mais de 14 milhões de desempregados. O economista acrescenta que o país voltou a sofrer com a fome, por causa da pandemia.

Gilberto conta que a escola invadiu a casa dos professores, a família e a vida pessoal das pessoas. “As professoras estão dando aula e ao mesmo tempo estão cuidando do filho, cuidando da comida, da casa e de uma série de outros aspectos. Inclusive nem tem mais um horário, tem que disponibilizar todos os contatos, então é de manhã, de tarde e de noite. Há uma invasão da escola nesse espaço privado e particular do professor. Além de uma elevação do custos, como internet e energia”, complementa.

Para o professor, o maior desafio é a valorização do trabalho docente. Gilberto faz uma alusão às vagas de vestibular das universidades e às licenciaturas que são cursos de baixa concorrência por causa das jornadas exaustivas dos professores e baixos salários. “Ele tem que preparar aula, ele tem que fazer plano de trabalhos, uma série de outros aspectos. A nossa jornada de trabalho extrapola bastante aquela jornada em que o professor está efetivamente dentro de uma sala de aula”, observa o professor.

Gilberto também aponta para a necessidade de maiores investimentos na educação no país. De acordo com o professor, a educação recebe cerca de 4% do orçamento federal, sendo desproporcional aos gastos. “Agora, nós tivemos a partir da Emenda Constitucional Nº 95, aprovada no Governo Temer, um congelamento do orçamento federal destinado para os gastos sociais, que na realidade são investimentos”, observa.

O professor também fala da importância da organização. “Se não tivermos organização social, se não estivermos atentos e se não estivermos participando e pressionando, cobrando e exigindo as mudanças e o investimento público, vai continuar sendo feito o que já tem sido feito historicamente no Brasil, que é priorizar os grandes setores da ciranda financeira em detrimento do investimento social”, finaliza.

Conquistas garantidas

Rachel Abreu, professora e doutora em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade estadual do Pará (Uepa), diz que pensar nas garantias conquistadas pelos trabalhadores ao longo dos anos é suscitar um período histórico da Revolução Industrial, em que teve início uma nova forma de trabalho e o novo mundo capital.

No Brasil, a professora explica que as conquistas dos direitos dos trabalhadores e do princípio da dignidade humana ocorreram de forma gradual. “A conquista desses direitos trabalhistas, e que vai dar um impulso, uma progressão essencial bem interessante e relevante, é a questão da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que vai ser uma inovação em relação a toda uma legislação vigente pra pensar essa questão do trabalhador na sociedade”, diz.

A professora afirma que pandemia revela o quanto a sociedade é desigual em várias esferas e em vários âmbitos, principalmente partindo da categoria trabalho. Rachel diz, ainda, que as circunstâncias da pandemia impactaram diretamente a questão econômica do país devido às transformações das relações de trabalho.

“E há uma preocupação tamanha que essa economia não pare, os trabalhadores precisam ir pra rua e continuar trabalhando para que esse sistema econômico continue avançando, alcançando lucratividade. Para quem? Não é para todos, é uma elite, uma minoria. E aí, quem precisa fazer essa roda girar? Quem precisa fazer esse sistema econômico girar? Os trabalhadores”, aponta.

Segundo Rachel, o que o filósofo e sociólogo Karl Marx disse no passado ainda é visível nos dias atuais. “Os trabalhadores que fazem a sociedade se movimentar economicamente, por isso a preocupação tamanha de que 'o trabalho tem que continuar'. Mas nem todos estão protegidos diante dessa circunstância de pandemia e os nossos trabalhadores são respeitados? Não são respeitados”, acrescenta.

A professora afirma que as instituições não são justas com o indivíduo social e com o trabalhador em geral. Ela ainda explica que, por causa da questão econômica impactada pela pandemia e como consequência drástica, empresas estão demitindo e desligando funcionários e instituições de ensino estão desligando professores.

“No meio de tudo isso, a questão do respeito, da dignidade, da cidadania nem é pensada. Não é levada em consideração. A gente tem um processo de desigualdade econômica no Brasil tamanho e isso se reflete diretamente nas relações de trabalho. Então esses trabalhadores são respeitados fora dessas circunstâncias da pandemia? Não. Diante da pandemia, muito menos. Essa é a realidade que a gente tem no Brasil”, complementa.

Rachel destaca um retrocesso no país, com a reforma trabalhista, por ela ferir o princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, a professora argumenta que a reforma menospreza a luta travada por homens e mulheres na sociedade brasileira e na conquista dos direitos trabalhistas.

A professora também diz que nem todo trabalho é respeitado. “Nessa sociedade desigual que nós vivemos, que não é igualitária, que é estereotipada, preconceituosa, elitista, homofóbica, nós temos uma construção de realidade em que nós valemos o que nós temos e não o que nós somos”, aponta.

Rachel ressalta que, para que haja preservação dos direitos trabalhistas, é necessário que as instituições tenham respeito pelo trabalhador, pela questão social e pelo nosso desenvolvimento social. “Nós não temos saúde pública de qualidade, não temos educação pública de qualidade, não temos saneamento básico nem na capital, nós não temos infraestrutura urbana para todos. Esses são alguns dos elementos e exemplos do quanto essa sociedade é desigual”, complementa.

A professora assevera: “Pensar nas desigualdades que existem nas relações de trabalho, sejam quais elas forem – que a gente está numa República dos excluídos, a escravidão do passado, do Brasil Colônia, permanece hoje a partir de vários novos formatos – não foi a pandemia que trouxe, a pandemia aguçou, revelou e escancarou, mas já existem desde muito antes e agora foram expostas”, afirma.

Sem oportunidades

O mestre em Economia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), e professor da UNAMA - Universidade da Amazônia, João Cláudio Arroyo, também diz que sem os trabalhadores não há riqueza, economia e não há sequer sociedade.

Arroyo diz que as reformas que valorizam os trabalhadores, inclusive sua remuneração, são as que geram sociedades mais equilibradas e prósperas. Em contrapartida, segundo o professor, as reformas que reduzem direitos e rebaixam remunerações fragilizam a nação porque aqueles que trabalham também são os que consomem e sua qualidade educacional gera a qualidade de convívio social na nação.

“Rebaixando o consumo e o acesso à educação de qualidade, reduz-se o investimento produtivo, já que não tem mais para quem vender. Com isso reduzem-se as oportunidades de trabalho e emprego. Com menos renda, menos consumo, entramos na espiral de crise que estamos”, complementa.

Segundo Arroyo, no caso do Brasil, as reformas Trabalhista e da Previdência precarizaram as remunerações e condições de trabalho, agravando a desigualdade social que é maior flagelo econômico e cultural que se sustenta desde o Brasil colonial, somando-se ao surgimento da "uberização", confundindo-o com a ideia de empreendedorismo. “É excelente desde que ele receba o proporcional ao valor que gera no preço final. Sem isso, a desigualdade aprofunda a fragilização da sociedade, como um todo."

Quanto ao suporte dado pelo Estado aos trabalhadores em meio à pandemia, o professor diz que não há nação onde o Estado não cumpra papel econômico central e que isso é visível no mundo inteiro dentro do contexto pandêmico. “Vejam a diferença com a mudança de postura pública nos EUA, entre (Donald) Trump e (Joe) Biden. Agora já há estados liberando eventos com público. Logo, se tivermos uma estratégia científica clara de combate ao vírus e medidas de mitigação econômica com auxílio de, no mínimo R$ 600,00, também para pequenos empreendedores e linhas de crédito com carência e sem juros, aí sim teríamos condições de manter o potencial de trabalho da nação, ativo", acrescenta.

Arroyo destaca os profissionais da economia como indispensáveis desde a educação financeira das famílias até à elaboração de políticas públicas. “Eles podem cumprir um papel central tanto na esfera pública quanto particular. Tanto no planejamento macroeconômico, melhorando o desempenho da nação, quanto na organização de empreendimentos, um a um, para que as forças produtivas do país possam interagir oferecendo o máximo de resultados possíveis”, finaliza.

Por Alessandra Nascimento e Isabella Cordeiro.

 

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