'Faca, facão': assaltos propagam medo no centro do Recife

A história se repete: populares relatam aumento da violência, principalmente diante da baixa circulação de clientes no comércio. Pacto Pela Vida, porém, indica redução no registro de casos no bairro de Santo Antônio

por Lara Tôrres seg, 24/08/2020 - 19:30
Júlio Gomes/LeiaJáImagens Avenida Guararapes, no bairro de Santo Antônio Júlio Gomes/LeiaJáImagens

A violência urbana é um problema com altos números no Estado de Pernambuco: apenas no primeiro semestre de 2019, segundo divulgado pela Secretaria de Defesa Social (SDS) em 11 de julho do último ano, foram registradas 42 mil ocorrências classificadas como roubo, assalto ou furto. Também em 2019, dados do Atlas da Violência produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) classificou o Recife como a sétima capital mais violenta do Brasil. 

No contexto da pandemia de Covid-19, porém, os dados têm mostrado uma redução no número de crimes do Estado em relação ao último ano. Segundo a SDS, em maio de 2019 foram registrados 7.457 crimes contra o patrimônio, enquanto no mesmo mês de 2020 foram 3.360, uma redução de 54,9%. Apesar disso, em ruas da área central do Recife, o cenário tem sido marcado, em meio à pandemia, por relatos de insegurança. 

No bairro de Santo Antônio, as queixas de quem trabalha, mora ou circula pela área apontam para um aumento da frequência de assaltos a quem passa pelas ruas, mesmo após a reabertura do comércio das 9h às 18h, desde o dia 15 de junho. Lá a sensação de insegurança aumentou durante a pandemia, na percepção de populares da região.

*Bia - nome fictício - tem 47 anos e nos últimos 18 tem trabalhado em um ponto comercial na área central da capital pernambucana. Ela aponta tanto o desemprego causado pela Covid-19 quanto a violência urbana como motivos para a redução do movimento no bairro que, segundo ela, tem problemas com o policiamento e é palco de ocorrência de crimes diariamente, cometidos quase sempre pelas mesmas pessoas, e à mão armada. 

“Muito assalto. De faca, peixeira, facão. Aqui na Rua Pedro Ivo tem um homem de facão que fica atrás de uma palmeira. Eles não mexem com os comerciantes, mas qualquer pessoa que passar nessa rua depois das 18h é roubada com um facão. Eles tiram onda dizendo que não têm medo, o centro do Recife dá pena. Viatura aqui é rara e eles só passam”, disse. Ela citou também outros locais que considera perigosos, como a Praça da Independência (popularmente conhecida como Praça do Diario), a Rua Nova e as proximidades da Igreja de Santo Antônio, onde ela afirma que dias atrás um homem foi ferido por dois golpes de faca e o socorro só chegou duas horas depois. 

Uma pessoa que trabalha no bairro de Santo Antônio e não quis se identificar por motivos de segurança, após ter sofrido um assalto na última quarta-feira (19) quando esperava por um ônibus na Rua do Sol, entre a Ponte Duarte Coelho e Ponte da Boa Vista (conhecida como Ponte de Ferro), contou que também já ouviu relatos de outros conhecidos que foram vítimas na mesma área. “Normalmente eu largo às 22h, mas durante a pandemia estou saindo do trabalho às 20h por causa do horário dos ônibus e por segurança”, acrescentou o entrevistado. Segundo ele, foram quatro meninos, adolescentes, que saíram da Rua Matias de Albuquerque, um deles armado com uma faca. “Levaram minha mochila com a carteira, dois celulares e outros itens de uso pessoal. O prejuízo foi de R$ 2.950, além de ter precisado tirar novamente documentos e bloquear cartões”, relatou.

Filipe* - nome fictício - afirma que, em sua opinião, o bairro ficou mais perigoso no período de pandemia. “Tem pouca gente circulando nas ruas e nas paradas de ônibus, fica esquisito a partir das 18h e depois das 20h não tem mais ninguém. Também sinto falta de policiamento e nunca vi guarda municipal aqui, só na praça [do Diario], ficam zanzando e não fazem nada”, disse ele. 

Na ocasião do assalto, Filipe usou o celular de um vigia para chamar a polícia, que tardou a chegar ao local. “Demorou uns 10 minutos, aí [os ladrões] já estavam longe. Se desse para acionar a viatura que fica na praça, em um minuto estaria lá”, afirmou o rapaz, alegando também que na sua opinião, uma presença de policiais na rua onde o crime ocorreu “poderia intimidar os bandidos a fazer alguma ação”. 

Lucas* nome fictício - tem 23 anos e trabalha como comerciante na Avenida Guararapes, localizada no bairro de Santo Antônio, centro do Recife. Ele já presenciou várias situações de violência, vê assaltos cotidianamente e em sua avaliação, a insegurança reduz a circulação de pessoas a pé na região do centro por medo da criminalidade. 

“Antigamente, a gente vendia muito bem, as pessoas transitavam andando, vinham de ônibus e desciam na Conde da Boa Vista e iam a pé para o Marco Zero, mas agora decidem não ir a pé por causa de assalto. Eu via policiamento um tempo atrás, chegavam 6h saíam às 9h, enquanto tiver aglomeração de pessoas ficam só para fazer plantão. A hora que alguém estiver vulnerável com celular na mão, tem hora não, basta ver a oportunidade”, contou o rapaz. 

Perguntado sobre como os assaltos ocorrem, Lucas afirma que há tanto à mão armada como apenas com ameaças, e que as rotas de fuga dos assaltantes comumente são parecidas, bem como os crimes cometidos pelas mesmas pessoas. “[Assaltam com] arma branca, faca, tesoura. As pessoas evitam muito passar aqui pela Avenida Guararapes com medo de ser assaltadas. Muito furto de celular por intimidação fingindo estar armado. Em outras regiões está bastante frequente. Na Rua do Sol, na Ponte de Ferro, [Rua] Siqueira Campos. Eles cometem um assalto aqui, trocam de roupa e vem assaltar de novo. Costumam correr muito por aqui [apontou para a Rua Siqueira Campos] e Rua do Sol, é difícil correr para a Praça do Diario, mas às vezes correm”, afirmou ele.

Juliana* (nome fictício), comerciante que trabalha na Rua Matias de Albuquerque, se queixa de violência, sujeira e falta de iluminação na região onde tem seu ponto de vendas. “Aqui não tem nenhuma vigilância, só o vigia que a gente paga para tomar conta da barraca de noite. A gente abre de 9h até 18h, mas deu 4 da tarde não tem mais ninguém aqui, as pessoas vão embora com medo de assalto. A rua é mal iluminada porque essa lâmpada de luz amarela do poste não clareia nada, tem que ser luz branca”, reclamou a comerciante.

A queixa é pertinente. Durante a entrevista e em outras rondas pelo centro do Recife, a equipe de reportagem do LeiaJá encontrou mau cheiro na Rua Matias de Albuquerque durante o dia, horário em que os clientes fazem compras. Após o anoitecer, foram encontrados vários pontos mal iluminados na Rua Barão da Vitória, Ponte Velha, junto à Casa da Cultura (perto do rio e da estação de metrô), nas imediações da Rua da Concórdia (próximo ao metrô da Estação Recife), na Rua Doutor Sebastião Lins (próximo ao cinema São Luís), atrás do Mercado da Boa Vista e também na Rua da Aurora. 

 

Procurada pelo LeiaJá, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), que é responsável pela iluminação pública da cidade junto a empresas terceirizadas para a realização do serviço, afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “sobre estas vias do centro, iremos solicitar a nossa equipe de fiscalização para que sejam vistoriados os logradouros informados”. 

A vendedora Ana Cristina Rodrigues de Souza, 44, trabalha em uma loja da Rua Nova e contou que desde a reabertura do comércio, está muito difícil de bater as metas de vendas necessárias para compor o salário do mês devido ao movimento fraco, que ela atribui, em grande parte, à violência urbana no centro do Recife. “Realmente aumentou muito devido à pandemia. Eu achei que de fato aumentou muito a incidência de assalto aqui no centro da cidade. Se você olhar, as ruas estão vazias”, disse ela.

De todas as pessoas ouvidas na reportagem, Fátima Santos, de 66 anos, foi a única que afirmou não sentir medo da violência urbana do centro do Recife. Ela, que está aguardando a liberação de sua aposentadoria e deu entrevista enquanto esperava um ônibus em frente à Igreja de Santo Antônio, afirmou que percebe que a região é violenta, mas entrega sua vida “a Deus”. 

“Eu já vi gente passar por mim e dizer ‘irmã eu fui assaltada ali, como é ruim, irmã, perdi isso, roubaram celular’. Quanto mais a gente tem medo as coisas acontecem. Eu não tenho medo não, só entrego a minha vida a Deus e saio para a rua. Vai roubar de mim o que? Eu sou uma idosa, nem aposentada eu estou ainda. Até aqui nunca fui atingida e creio que nunca vou, nem eu, nem meus familiares”, disse ela. 

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Diante da percepção de aumento da criminalidade por parte da população no período de pandemia de Covid-19 no centro do Recife, o LeiaJá procurou a Polícia Militar de Pernambuco para saber quantas ocorrências foram registradas no bairro de Santo Antônio desde que o comércio foi reaberto em 15 de junho, como é feito o policiamento da área e quais providências podem ser adotadas para solucionar o problema. Confira, a seguir, a nota enviada como resposta: 

“A Polícia Militar informa que mantém o policiamento no bairro de Santo Antônio através de Motopatrulheiros, Guarnições Táticas e Grupo de Apoio Tático Itinerante (GATI), que atuam em toda a área, além de contar com operações planejadas de combate ao CVP (Crimes Violentos contra o Patrimônio) e CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais). O comandante do 16º Batalhão, tenente-coronel Rogério Manoel, informa que, de acordo com as informações do Pacto Pela Vida, do dia 15 de julho de 2020 ao dia 18 de agosto de 2020, foram registrados 135 CVP’s no bairro de Santo Antônio. Enquanto que no mesmo período do ano passado houve o registro de 223 casos, o que representa uma diminuição de 39%".

Ainda na nota, "o comando reforça que o Núcleo de Inteligência da Unidade continuará realizando o levantamento dos criminosos que possam estar atuando na respectiva área, a fim de serem repassadas as informações para o policiamento ostensivo no intuito de prendê-los no caso de praticarem algum tipo de delito”.

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