6% dos nascidos em 2020 não têm o nome do pai na certidão
O percentual corresponde a 80,9 mil crianças nascidas no Brasil que foram registradas apenas com o nome da mãe
Um levantamento da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) mostra que, dos mais de 1,28 milhão de pessoas nascidas em território brasileiro no ano de 2020, são 6,3% as que não têm o nome do pai na certidão de nascimento. O número corresponde a 80,9 mil crianças registradas apenas com o nome da mãe.
Os dados, colhidos da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), são referentes ao primeiro semestre do ano e apontam o maior porcentual em relação ao mesmo período dos últimos dois anos.
Só no estado de São Paulo, o primeiro semestre de 2020 teve mais de 292,6 mil registros de nascimento e 5,55% deles têm apenas o nome da mãe na certidão.
Com a quantidade de filhos sem pai no documento e no cotidiano de afetividade, os problemas podem ir muito além da oficialização do vínculo em papel. De acordo com a psicóloga clínica Ana Caroline Boian, o reflexo pode ser notado nas questões pessoais e sentimentais.
“Os traumas podem estar relacionados tanto à falta da figura paterna como na presença de um pai que não a representa”, diz.
Segundo Ana Caroline, apesar de o trauma representar um sintoma particular de cada ser humano, a ausência do pai pode interferir na evolução da criança em sociedade.
“Além de representar a ausência de um modelo masculino de autoridade e respeito, pode potencializar a geração de conflitos de desenvolvimento psicológico como insegurança e introversão, ou cognitivo como o baixo desempenho escolar, bem como influenciar no avanço de transtornos do comportamento”, explica a psicóloga.
Sem a presença paterna, as funções da mãe solo nos cuidados com o desenvolvimento dos filhos ganham grandes proporções. Para Ana Caroline, sócia-fundadora da Árvore da Vida Psicologia, é importante que a "mãe solo" tenha o amparo da família e de pessoas próximas para contribuir com o progresso da criança.
“A mãe, quando possível, deve buscar por um grupo de apoio que a auxilie no processo de cuidados e disciplina dos filhos. A formação ainda será papel fundamental dela, porém o grupo poderá auxiliá-la para que não haja sobrecarga no processo de educação, amparo, afetividade e na instrução da criança”, ressalta.
Ainda segundo a psicóloga, outro ponto essencial está relacionado aos cuidados da mãe consigo própria, muitas vezes esquecidos ou negligenciados por falta de tempo.
“Para a maioria das mães é muito difícil acrescentar na dinâmica diária esses cuidados a si mesma, mas eles são primordiais para restabelecer as forças da vida familiar. Além de fortalecer a auto-estima, o reconhecimento de suas necessidades básicas de cuidados individuais serve como espelho para os filhos no processo de desenvolvimento do autoconhecimento”, completa.
Olhar jurídico
No Brasil, o trâmite burocrático de reconhecimento de paternidade foi reduzido graças a uma norma instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas só nos casos em que há concordância do pai.
Para os casos não litigiosos, o procedimento é realizado de maneira gratuita em qualquer Cartório de Registro Civil. Já nas situações em que o suposto pai não concorda com as alegações da mãe da criança, uma investigação será iniciada por indicação da mulher.
De acordo com o presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), Gustavo Fiscarelli, a desburocratização do diagnóstico paternal preserva o direito de filhos e pais.
"Ao possibilitar o ato do reconhecimento de paternidade de forma muito mais simples e sem necessidade de ação judicial, os Cartórios de Registro Civil, que estão presentes em todos os municípios do país, reforçam seu compromisso com a cidadania e com a promoção aos direitos básicos de toda e qualquer pessoa", enfatiza Fiscarelli.
De acordo com o advogado e professor Guilherme Amaral, o efeito do ato legal é garantir o nome do pai no documento. “A ação de reconhecimento da paternidade, biológica ou afetiva, tem o objetivo de declarar se a pessoa é ou não pai do ponto de vista jurídico. As duas formas existem, são diferentes, mas podem ter efeitos parecidos ou também distintos em algumas partes”, comenta.
Segundo Amaral, ao reconhecer a paternidade biológica e a paternidade afetiva, a lei equipara as duas categorias.
“A relação da paternidade afetiva atualmente é considerada, pela jurisprudência, equivalente à paternidade biológica, sendo inclusive possível requerer o direito a ter no documento (certidão de nascimento ou RG) o pai biológico e o pai afetivo, se assim for desejado”, pontua o advogado.