Padre Bruno vive na luta por justiça e amor ao próximo
Fundador da República de Emaús, movimento de defesa de crianças, adolescentes e dos direitos humanos, Bruno Sechi deixa ações concretas de combate à desigualdade social em Belém e um legado de solidariedade
O fundador e idealizador do Movimento República de Emaús, padre Bruno Sechi, morreu numa sexta-feira, 29 de maio, aos 80 anos, em Belém. A Arquidiocese de Belém informou que ele teria apresentado sintomas da covid-19 e estava se recuperando, mas as complicações avançaram. Segundo amigos mais próximos e familiares, o padre foi encontrado desacordado dentro de casa, levado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas não resistiu.
“Seria triste vivermos numa sociedade onde não haja lugar para solidariedade”, disse padre Bruno Sechi em uma das últimas entrevistas. Natural da Sardenha, na Itália, Bruno Sechi, também conhecido carinhosamente por bispos, sacerdotes e amigos como "campeão da caridade", tem mais de 50 anos de história em Belém do Pará, terra na qual ele se sensibilizou com a vida de crianças e adolescentes das periferias, que ficavam expostos ao risco de violência e afastados da escola para ajudar a família vendendo produtos diversos nas ruas e feiras da capital.
Na década de 70, padre Bruno fundou o Movimento da República do Pequeno Vendedor, no bairro da Cremação, com o intuito de retirar e transformar com oficinas educacionais a realidade de meninos e meninas que trabalhavam nas ruas e feiras do local.
O padre se dedicou durante décadas aos combates à desigualdade e era um defensor dos diretos humanos e da justiça social. Na década de 80, Bruno Sechi ganhou destaque mundial participando de ações políticas no Brasil, que resultaram na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Segundo o pároco da Paróquia Cristo Peregrino, padre Nilton César Reis, o padre Bruno foi um homem que fez história e marcou a Arquidiocese de Belém e as igrejas do Brasil e do mundo. Ainda jovem veio para o Brasil como missionário e se doou para os mais necessitados. Passou por várias paróquias, dedicando-lhes a sua vida, e a sua última experiência paroquial foi na paróquia São João Paulo II, no bairro do Marco. “Ele deixa esse legado de amor e de paixão pelo que fazia, mas também de compaixão pelos menos favorecidos”, afirma o paroco. “Continuará vivo em nossa memória e lembrado, sobretudo em cada sorriso e vitória de nossas crianças e adolescentes”, complementa.
O diácono permanente da Arquidiocese de Belém, Edson Alves, conheceu Bruno Sechi em 1979 quando recebeu a missão de Dom Alberto Ramos, então arcebispo metropolitano, de acompanhar um padre que trabalhava com a juventude. “Eu não sabia que esse padre viria ser o padre Bruno. A partir daquele momento começamos a estabelecer um relacionamento de troca de conhecimento, ele era uma pessoa muito sábia, apaixonado pelo jovens e crianças, amava os seus ideais”, afirma.
“A lembrança mais bonita que tenho do padre Bruno foi quando realizamos um treinamento de liderança cristã na cidade de Bragança. Eu tive a oportunidade e a surpresa de encontrá-lo. Sempre tive um apreço muito grande por ele. Se hoje sou diácono, devo a ele, que me ensinou a lutar pelos direitos e querer uma sociedade mais justa”, declara Edson Alves.
Para o diácono, o Movimento de Emaús tem uma importância muito grande para a sociedade, porque ele é o chamado para a consciência da solidariedade e do respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes. “O padre Bruno era a pessoa que estendia as mãos e o Movimento são os braços que acolhem cada uma dessas crianças, jovens e adolescentes”, afirma, sobre a importância do padre na vida das gerações que passaram pelo o projeto. “Ele nunca será esquecido e permanecerá vivo nos corações e na lembrança de todos nós”, complementa.
Sempre de braços abertos
A professora Patrícia Nascimento conheceu o padre Bruno Sechi quando ele chegou para ser o vigário paroquial na Paróquia São Domingos de Gusmão, na Terra Firme, na época em que ela frequentava um grupo da Pastoral da Juventude. “Sempre acolhedor, ouvia a todos e dava muita atenção. Desde o início eu e os outros jovens cultivamos uma relação de amizade com o padre Bruno. Fazíamos as reuniões de grupo e almoço no domingo na casa dele”, afirma. “Sempre foi essa que estava disposta a receber de braços apertos quem frequentasse o seu lar”, complementa.
“Certa vez eu e os meus amigos da Pastoral da Juventude tivemos a ideia de fazer uma serenata na porta da casa dele na noite do seu aniversário. Ele fazia aniversário no dia 31 de julho. Então, do dia 30 para o dia 31 sempre íamos para a janela cantar uma música e desejar parabéns. Lembro-me das vezes que nós ficávamos cantando por muito tempo até ele acordar, pois já estava dormindo. Ano passado, ele já estava com um bolinho esperando a gente, porque sabia que todos os anos nós íamos lá”, conta Patrícia.
Para a professora, a grande importância do Movimento República de Emaús é a oportunidade que muitas crianças e jovens têm de transformar as suas realidades por meio de formação técnica. “A oportunidade faz com que o Emaús se torne importante para a construção da formação política que vai torná-los multiplicadores dessa capacidade social na vida deles e vida de outros jovens. O legado do padre Bruno é o comprometimento com a solidariedade capaz de transformar o mundo”, afirma Patrícia Nascimento.
Referência na defesa dos direitos da infância
A jornalista Adelaide Oliveira conta que conheceu o padre no início da vida profissional de comunicadora. Nos anos 90, Bruno Sechi já era uma referência quando se tratava de falar sobre os direitos da infância da juventude. Ele deixou de ser apenas uma fonte jornalística e a jornalista criou laços afetivos com ele. “Conheci mais da imagem daquele homem que passava uma aparência de alguém frágil naquele corpo franzino, mas era gigantesco e extraordinário”, afirma a jornalista. “Um ser humano disposto a ouvir e a aconselhar, eu abusava às vezes, ele me aconselhou em momentos importantes, sempre sensato e paciente. Ele cuidava do seu rebanho de especial. Qualquer pessoa podia ir e pedir um conselho, não interassava se era mais ou menos próximo, ele ia tratar a todos com muito carinho e cuidado”, complementa.
Recentemente, a jornalista teve a experiência de trabalhar com o padre Bruno Sechi no programa de televisão "Pensando Bem", da emissora TV Nazaré. “Ele me ligou e conversou sobre o convite para apresentar e formatar o programa. Quando não pude estar mais à frente, ele virou apresentador e não se intimidava, não era um papel que dominava, mas entendia como poucos o conteúdo que falávamos naquele programa", relata. "O padre Bruno não tinha nenhum preconceito com pauta, nem com as mais espinhosas”, afirma a jornalista.
“O padre Bruno Sechi tinha um sonho e eu acho que precisa ser de todos nós também, que era construir e fundar, se possível em 2020, o Museu dos Direitos da infância e da Juventude. Mostrar a luta a favor dessas crianças no momento em que ninguém olhava para elas como seres de direitos. Ele andava nas feiras de Belém e chegava junto com aquela criança que estava trabalhando e com os responsáveis para entender o porquê dela estar ali”, afirma a jornalista. “Manter o trabalho no Movimento de Emaús e as lideranças que foram feitas através de todo esse trabalho do padre Bruno é fundamental. São homens e mulheres que têm 50 anos, ou até mais, e tiveram suas vidas salvas por ele, que percebeu aquelas pessoas e tirou da invisibilidade”, complementa.
Um legado que atravessa a cidade
O historiador e professor Michel Pinho afirma não ter tido muita proximidade com padre Bruno Sechi, mas acompanhou o que ele fazia. “Tive contato quando entrei na universidade em 1993 e ele abriu na cidade de Emáus, no Bengui, uma turma de preparação de pré-vestibular para alunos trabalhadores na turma da noite. Ficava impressionado com a empolgação de ver aquelas pessoas depois de trabalhar o dia inteiro se predispuserem a ficar até 22 horas estudando. A minha carreira profissional tem uma mão muito forte do padre Bruno”, afirma.
“Uma das memórias mais tocantes foi do ano passado. Fui convidado pelo o Movimento Emaús a fazer uma fala sobre a história da cidade na década de 80 para os dias de hoje, falar sobre o que mudou e qual a importância do movimento. Quando terminei a palestra lembrei ao padre Bruno a história da Lígia Constantino, que é minha avó postiça e lutou na década de 70 e 80 pelas mulheres camponesas e eles juntos fizeram ações em relação às pessoas mais vulneráveis do campo, da cidade e da Amazônia. Terminei a fala e ele me pediu um abraço, sempre muito afetuoso, e vai marcar pelo o resto da vida”, declara Michel Pinho.
"O legado do padre Bruno atravessa a cidade de forma mais clara possível. Você tem um padre Bruno no Jurunas, um na Cremação, um no Curió, um padre Bruno no Guamá, você tem um padre Bruno na Terra Firme, entre outros bairros. Faz parte de constituir a memória do padre Bruno, de alguém que escolheu estar onde as pessoas mais precisam e é dele como líder político, líder religioso e líder social que vamos ficar com essa memória. Poucas pessoas marcaram a história dessa cidade e da Amazônia como ele marcou”, afirma o historiador.
Amizade, solidariedade, religiosidade
A aposentada Mariza Mendes, participante do grupo Movimento Independente de Pessoas Idealistas (MPI), conheceu o padre Bruno Sechi por meio do marido que pertenceu ao primeiro grupo de voluntários na República do Pequeno Vendedor. Ficou afastada por um tempo do Movimento Emaús e depois, com uma amiga do grupo dos anos 70 e a pedido do padre, formou o grupo MPI para arrecadar alimentos para o Dia da Campanha.
“Nós nos reuníamos uma vez por mês para arrecadar recursos para comprar alimentos. Passávamos o domingo com o padre Bruno, almoçávamos todos juntos e fazíamos a reunião. Era um dia de muita alegria e confraternização”, afirma Mariza Mendes. “Ultimamente todos estavam muito preocupados com essa situação da pandemia, e que pudesse faltar recursos para a arrecadação. Inclusive ele foi à televisão pedir para que a sociedade participasse. Padre Bruno estava muito preocupado com o Movimento Emaús”, complementa.
Segundo a aposentada, o legado que o padre Bruno Sechi deixa para a sociedade é o princípio da solidariedade, da amizade e da religiosidade. Ele plantou uma semente na área do movimento social, diz. "Era um padre que não vivia dentro da igreja, e sim no meio do povo e da comunidade. Ele deixa uma saudade muito grande em todos nós. Vamos dar continuidade ao projeto dele”, afirma.
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Por Amanda Martins.