Prefeitura ignora matança de gatos na Encruzilhada
Desde 2016, moradores do bairro em conjunto com a ONG SOS Animais denunciam envenenamentos no mercado público, mas gestão municipal não apresenta qualquer ação de fiscalização para coibir novos crimes
Comerciantes dizem que veneno é espalhado em comida. (ONG SOS Animais/Cortesia)
Agora, criminosos aproveitam ruas vazias para exterminar os animais. Nas duas últimas semanas, cerca de 30 gatos foram envenenados no Mercado da Encruzilhada, na Zona Norte do Recife. Abandonados no local, eles costumam ser encontrados ainda pela manhã, mortos ou agonizando. Para a ONG SOS Animais, que já registrou pelo menos três Boletins de Ocorrência na Delegacia de Proteção Animal (Depoma), a diminuição da circulação de pessoas na cidade, em decorrência da pandemia da Covid-19, está encorajando os criminosos.
O comerciante Ângelo José dos Santos, proprietário de um box no Mercado da Encruzilhada há 25 anos, afirma que comida envenenada está sendo distribuída para matar os animais. “É uma cena horrível, uma morte lenta e difícil. A violência contra esses gatos acontece desde que cheguei ao mercado, mas é a terceira vez que vejo um massacre desse tamanho. A prefeitura não colabora não”, lamenta.
A advogada e membro da SOS Animais, Laura Atanásio lembra que “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” é crime com pena de detenção de três meses a um ano, podendo ser aumentada de um sexto a um terço se ocorrer a morte do animal, segundo preconiza o artigo 32º da Lei 9605/98. “A gente do voluntariado sente muita falta da prefeitura em relação a várias instâncias da proteção animal, inclusive na fiscalização e no mapeamento dos pontos de abandono e violência. Na [Avenida] Beira Rio, passamos um mês pagando um vigia para impedir a matança e os abandonos de animais”, lamenta Laura.
Cansada de esperar pela iniciativa da gestão municipal, a SOS Animais resolveu instalar, por conta própria, uma câmera no Mercado da Encruzilhada, na tentativa de coibir novos crimes. “A gente acabou fazendo uma vaquinha na internet para comprar o equipamento. Em diversas audiências, a prefeitura promete que vai se encarregar da vigilância mas isso nunca é realizado. Uma vereadora chegou a instalar câmeras em outro local, mas quem vai vigiar? Essa não é nossa função”, completa Laura.
SEDA não citou nenhuma ação prevista de fiscalização para coibir novos crimes. (ONG SOS Animais/Cortesia)
Castração como paliativo
Outra onda de matanças havia ocorrido recentemente, em 2016, sem que a Prefeitura do Recife tomasse qualquer iniciativa para coibir novos crimes. “Já fui a três audiências públicas sobre pontos de abandono e animais abandonados e em todas elas levei a pauta da castração em massa, porque se você evita que haja reprodução nos pontos de abandono já é positivo. A proposta que apresentei seria a de castrar semanalmente cinco gatos e a prefeitura respondeu que não tinha como dar transporte e que precisaria de voluntários para ficar com os animais no pós-operatório”, comenta.
A ativista coloca ainda que a responsabilidade de viabilizar o processo em sua completude deveria ser apenas da gestão municipal. “É como se a gente fosse voluntário oficial da prefeitura. É muito ruim pra gente porque não fazemos só essa ação, mas outras mobilizações, para doar os animais, pagar hotelzinho, veterinário e outros problemas”, completa.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais (SEDA), que não apresentou quaisquer soluções ou políticas públicas para fiscalizar e coibir os envenenamentos no Mercado da Encruzilhada. A instituição, contudo, se comprometeu a realizar uma “atividade semelhante à que já se realiza na Av. Beira Rio”, em que cinco gatos são castrados por semana. Segundo a SEDA, os procedimentos serão garantidos a todos os animais do Mercado da Encruzilhada, através da utilização da estrutura do Hospital Veterinário do Recife (HVR). Além disso, a Secretaria garante que um abrigo temporário para o pós-operatório também está sendo providenciado, bem como o transporte dos animais, através do Centro de Vigilância Ambiental (CVA). Leia a nota na íntegra:
“Desde 2013 a SEDA disponibiliza castrações gratuitas para caninos e felinos do Recife, já tendo realizado mais de 33 mil procedimentos. Compreendendo a necessidade de uma ação mais direcionada aos felinos presentes no Mercado da Encruzilhada, a Secretaria compromete-se a realizar uma atividade semelhante à que já realiza na Av. Beira Rio, onde centenas de animais já foram castrados. Assim, a SEDA disponibilizará, através do Hospital Veterinário do Recife - HVR, castrações para todos os felinos do Mercado da Encruzilhada. Será uma ação conjunta com o Centro de Vigilância Ambiental - CVA, um órgão da Secretaria de Saúde, que ajudará a viabilizar o transporte dos animais.
Um abrigo temporário para o período de recuperação pós cirúrgica está também sendo providenciado. Denúncias sobre maus tratos podem ser realizadas através da Central de Denúncias da SEDA (3355-8371) ou mesmo pela Ouvidoria Geral do Município. Muitas vezes as diligências precisam de apoio de outros órgãos, como a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (Depoma) ou o CVA. Desde 2013, a SEDA já atuou em mais de 1.700 casos de denúncias de abandono e maus tratos no Recife, seja resgatando os animais, conseguindo abrigos ou tutores, alimentação e principalmente oferecendo cuidados clínicos e hospitalares para esses animais”.
Já a Polícia Civil informou que instaurou, no dia 29/05/20, um inquérito policial e investiga os crimes recentes ocorridos no mercado. “Somos nós quem fazemos as denúncias, os boletins de ocorrência, e eles nunca dão retorno da investigação. A prefeitura foi a primeira a ser avisada e não existe nenhuma ação”, queixa-se Laura.