Os defensores de direitos humanos que vivem sob proteção

Em Pernambuco, 32 pessoas que foram ameaçadas pela militância que exercem estão incluídas no Programa Estadual de Proteção aos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos

por Jorge Cosme ter, 10/12/2019 - 13:37
Arthur Souza/LeiaJáImagens Magno Araújo luta pelo direito à terra quilombola da Ilha de Mercês, em Ipojuca Arthur Souza/LeiaJáImagens

Em Pernambuco, um grupo de pessoas celebra com cautela o Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado nesta terça-feira (10). Incluídas no Programa Estadual de Proteção aos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos (PEPDDH/PE), elas sofreram ameaças e hoje convivem com o constante medo da morte. 

 O programa foi implantado em 2006 em Pernambuco por meio do Decreto Federal 6044/2007 e regulamentado pela Lei 14.912, em dezembro de 2012. Atualmente, 32 pessoas estão sob a proteção do programa, 18 foram incluídas nos últimos três anos. Elas são ligadas a questões como combate à corrupção, luta pelo direito à moradia, acesso à terra e ao território e luta pelo direito à livre expressão religiosa, enfrentando o racismo religioso e institucional.

 O carro de Magno Araújo tem câmeras na parte da frente e de trás. O líder quilombola da Ilha de Mercês, em Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife (RMR), já foi espancado, perseguido e ameaçado de morte.  O medo de que arrombassem sua porta e lhe arrastassem de casa tirou noites de sono.

 Araújo diz que passou a ser visado em meados de 2015, quando o Complexo Industrial Portuário de Suape derrubou casas da Ilha de Mercês. O rapaz, na época com 24 anos, ajudou as famílias a tirarem seus bens das moradias enquanto as máquinas derrubavam as construções. Ele acusa a segurança terceirizada patrimonial contratada pelo complexo e o 18º Batalhão de Polícia Militar (BPM) de promover violência e intimidações. 

Segundo o jovem, os vigilantes andam armados com arma branca e arma de fogo e acompanhados de policiais. “Eu sou nativo, mas para eles nós somos invasores e não tem nenhum tipo de diálogo. A gente está sendo protegido pelo Estado, mas quem oprime também é o Estado.”

 Envolvido na luta de seu povo, Magno entendeu que não estava apenas diante de uma disputa de território. Ele percebeu que precisava batalhar também por necessidades básicas, como educação de qualidade, acesso à saúde e saneamento. Ele ajudou a construir o plano de desenvolvimento quilombola e a federação quilombola de Pernambuco. 

 Em parceria com o Sebrae, a comunidade da Ilha de Mercês conseguiu também montar uma cooperativa para vender frutas, verduras e frutos do mar. "Vamos ampliar e daqui a não tão distante a gente vai estar bastante organizado", diz Magno, que agora busca parceiros para montar uma biofábrica de muda de mangaba.

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Quem também está inserida no programa após ameaças proferidas pela segurança de Suape é Vera Lúcia Domingos, de 50 anos. A presidente da Associação dos Pequenos Agricultores de Ponte dos Carvalhos conta que foi ameaçada diversas vezes por equipes de segurança do complexo. Em uma das ocasiões, Vera estava em uma parada de ônibus. “Vem um carro, abaixa o vidro e um vigilante coloca o braço para fora e faz um gesto com a mão como se estivesse atirando em mim. Liguei para o programa, fiz B.O., tenho vários B.O.s feitos”, lembra.

Vera, que também é estudante de serviço social, tem atuado em defesa das famílias dos engenhos Ilha Ponte dos Carvalhos, Boa Vista 1 e Jurissaca, no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. Os moradores dos dois últimos locais buscam indenização. Já a Ilha de Ponte dos Carvalhos é mais consolidada e os moradores não querem ser indenizados, mas permanecerem onde vivem há gerações.

 “Recebi ameaças para que não ficasse como obstáculo porque poderia aparecer morta. Diziam que eu vivia em área de mata, área rural, e ninguém saberia se me matassem”, diz Vera. A última ameaça direta ocorreu no ano passado: um homem a abordou dentro de um ônibus para dizer que o programa do governo não era capaz de proteger ela e seus dois filhos. Atualmente, a mulher tem notado que está sendo seguida.

 “Se eu disser a você que eu não temo, vou estar mentindo. Será que vale a pena mesmo? Ainda acho que vale a pena porque eu preciso fazer muito por muita gente ainda. Não vou parar enquanto não tivermos nossa posse, com Suape muito longe da gente. No Engenho Ilha [de Ponte dos Carvalhos] a gente não conseguia construir uma casa. Hoje tem casa de laje, com piscina, água encanada, povo plantando. Vale a pena insistir, está no meu sangue.”

Ao contrário de Magno e Vera, Francisco de Assis Barros de Sá, de 65 anos, está longe de sua terra de origem. Chico Truká, como é conhecido, precisou deixar sua aldeia em Cabrobó, no Sertão do estado, por causa das diversas ameaças de mortes que sofria. 

 A terra indígena Truká está localizada na região chamada “Polígono da Maconha”. As ameaças de traficantes aos índios são noticiadas desde a década de 1990. Chico e Mozeni Araújo eram as principais resistências contra o plantio da droga na Ilha de Assunção, no médio curso do Rio São Francisco.

 Mozeni Araújo era candidato a vereador pelo PT e considerado uma das principais lideranças de Cabrobó. Ele foi assassinado à queima-roupa em 23 de agosto de 2008 durante evento de campanha. 

“Eles queriam traficar por dentro de nossas aldeias. Eu disse que não fazia isso”, conta Chico Truká. Segundo o indígena, os traficantes fizeram alianças com fazendeiros, posseiros e até a polícia. Chico conta que a arma que matou Mozeni pertencia a um primo de um tenente da região. “Eu fui para a delegacia dizer que estava sendo ameaçado e a delegada falou que eu estava mais seguro dentro da aldeia do que ali entre os policiais. Ela ligou para a Polícia Federal em Salgueiro para me tirar escoltado de lá e me levar para o Recife.” 

 Chico Truká afirma que a situação de medo constante o adoeceu. Hoje ele toma oito remédios diariamente. “Tenho sonho com esses caras quase toda noite. Eu só durmo a troco de remédio”, diz ele. Os responsáveis pelo homicídio de Mozeni foram presos à época mas Chico diz que dois já estão em liberdade.

 Atualmente vivendo em outro estado com a esposa, Chico acredita que nunca mais voltará a pisar em sua aldeia. Sente saudades do pai e lamenta não ter comparecido ao velório da mãe. “Eu tinha que lutar. Era minha família toda que estava em jogo. Hoje a aldeia tem sossego. A gente não podia ficar com a porta aberta até as 10, 11 da noite. Eu lutei, eu corri para conseguir uma polícia lá dentro. Conseguimos dez policiais para lá. Valeu a pena por isso. Queria acabar meus dias de vida lá, mas acho que não tem essa possibilidade.”

 Por meio de nota, Suape informou que, entre 2007 e 2018, 1580 famílias foram indenizadas pela administração do complexo pelas benfeitorias frutíferas e imóveis existentes em suas posses. Do total, 1121 receberam uma casa no Conjunto Habitacional Nova Vila Claudete, construído por meio do Programa Minha Casa Minha Vida, no Cabo de Santo Agostinho, cuja primeira etapa foi entregue em julho deste ano. Outras 184 famílias foram reassentadas nos assentamentos rurais Valdir Ximenes, em Barreiros, e Bruno de Albuquerque Maranhão, no Cabo de Santo Agostinho. Por não atenderem às exigências do Programa Minha Casa Minha Vida nem do Incra, as demais famílias foram apenas indenizadas. Das 1580 famílias indenizadas, 174 estavam localizadas no Engenho Ilha de Mercês, 40 no Engenho Ilha de Ponte dos Carvalhos, 100 no Engenho Boa Vista e 115 no Engenho Jurissaca. Não existe previsão para retirada de outras famílias do território.

 Sobre as denúncias de violência e intimidações, o Complexo de Suape afirma não ter recebido nenhuma na atual gestão. A determinação, entretanto, é que, em caso de denúncias contra os funcionários de segurança patrimonial, a Coordenadoria de Proteção ao Patrimônio deve apurar o caso e produzir um relatório sobre a ocorrência em até 15 dias. Se constatada a procedência, o caso será encaminhado para a abertura de Boletim de Ocorrência na delegacia local e o funcionário será afastado e substituído imediatamente. Suape afirma que os profissionais andam desarmados.

Dados de 2017 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos contabiliza 665 pessoas atendidas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH)  da pasta em todo o Brasil, entre casos incluídos, em análise e em triagem. O projeto nacional é executado em convênio com os estados de Pernambuco, Minas Gerais, Maranhão e Ceará.

 Abaixo uma lista da área de militância das pessoas acompanhadas apenas pela equipe federal:

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