Em Pernambuco, cresce o número de crianças desaparecidas

Falta de um sistema unificado sobre desaparecidos é apontado como entrave por familiares e especialistas

por Jameson Ramos sab, 09/06/2018 - 09:20

No estado de Pernambuco, 125 famílias convivem, diariamente, com as inquietações da incerteza. Agarradas à esperança, última a morrer, sonham com o dia do reencontro. Segundo informações da Polícia Civil, em todo ano de 2017, 125 crianças e adolescentes desapareceram nos municípios pernambucanos. O número representa um aumento de 14% em relação ao ano de 2016 - que havia notificado 110 ocorrências.

O órgão aponta que, maioria das vezes, os desaparecimentos são ocasionados por “fugas voluntárias do lar”, sendo essas fugas comumente acarretadas por brigas das crianças com os pais ou, no caso de adolescentes, em função de namoros ou relacionamentos pela internet, com o aliciamento para o mundo do crime também responsável pelo desaparecimento dos menores.

No entanto, nenhuma dessas explicações se enquadra para o desaparecimento, que já dura 14 anos, de Álvaro Ferreira de Lima. Sumido desde o dia 5 de novembro de 2004, na Rua Planaltina, Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife.

Chico Peixoto/LeiaJáImagens

Alvinho, como é carinhosamente chamado pela tia Betânia Ferreira de Lima, tinha sido presenteado com uma bicicleta do padrinho e queria ir para a rua brincar. A avó materna não deixou, porque não tinha ninguém que pudesse ficar olhando a criança. Na negativa da vó, Álvaro pediu para ficar, pelo menos, sentado na calçada da casa; isso por volta das 14h daquela sexta-feira. Uma hora depois, sentindo calafrios no corpo, pressentindo o que havia acontecido, a avó começou a chamar por Alvinho - sem retorno.  

Desde então, Betânia não perdeu as esperanças de encontrar o seu sobrinho. "Quando a pessoa morre e você enterra, você sabe onde ela está. Mas quando ela desaparece? Eu creio que ele ainda está vivo. Por isso toda vez que eu posso, eu falo sobre o caso dele”, diz emocionada. Até hoje, o caso Álvaro não teve desfecho e o seu registro, no Departamento de Proteção a Criança e Adolescente (DPCA), já pode estar junto aos outros milhares de casos não resolvidos. 

Sem um sistema que unifique todas as denúncias de desaparecidos, desde crianças a idosos, ter uma certeza sobre todos os casos de desaparecimentos no país é um problema. A militante e fundadora da ONG Mães da Sé, Vanise Experidiã, salientou que “nós não temos um registro de quantas crianças estão desaparecidas no Brasil porque, infelizmente, não temos uma unificação de informações. Cada estado trabalha com uma estatística; que no fim das contas não acabam ‘casando’ nacionalmente”. Ela aponta ainda que foi 'ensaiado' um cadastro nacional de crianças e adolescentes desaparecidas em 2013, “mas se entrar no site agora você só vai ver trezentas e poucas crianças cadastradas”, o que pra Vanise é um número incompatível com a realidade do país.

Não por acaso, Vanise é militante e fundou o Mães da Sé. Em busca de sua filha desaparecida há 22 anos, ela sente na pele a dor do que caracteriza como descaso. “É como se os nossos desaparecidos fossem invisíveis aos olhos da sociedade e do poder público, seja no âmbito municipal, estadual ou federal”, reforça.

O conselheiro tutelar André Torres também aponta a falta de um cadastro nacional de crianças e adolescentes desaparecidos como um problema. “Eu mesmo defendo que se crie (também) um cadastro de encontrados. Geralmente o conselho tutelar é procurado por pessoas que perderam seus filhos e, de imediato, nós encaminhamos e orientamos o público a procurar a delegacia mais próxima de sua residência ou o Departamento de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA)”.  

O conselheiro diz que há um entrave no Estado para tais procedimentos, já que “apesar de qualquer delegacia ter o dever de registrar de forma imediata o desaparecimento, temos alguns relatos de responsáveis de que algumas delegacias se negam a fazer tal procedimento, alegando ter que esperar no mínimo 48 horas para registrar a ocorrência”.

Sobre isso, a assessoria da DPCA explica que não é necessário esperar 24h para que seja informado o desaparecimento à polícia e ela inicie as buscas imediatas; no entanto, quem faz a denúncia é instruído para entrar em contato com todos da família e em locais prováveis onde o menor possa estar.

Caso

No dia 18 de março deste ano, a jovem Alana Sá Barreto, de 17 anos, foi dada como desaparecida pelos pais após ir ao shopping, dizendo que iria se encontrar com amigos para assistir um filme e não voltou para casa. O caso foi solucionado quando as autoridades do Estado conseguiram identificar que a jovem tinha ido para o Rio de Janeiro, encontrar com um namorado que havia conhecido pela internet; tentando também - nas terras cariocas - realizar o seu sonho de viver da música. Como o namorado estava apontando que iria "entregar" a garota à polícia que estava investigando no Rio de Janeiro, ela fugiu e foi encontrada num centro de acolhimento carioca. Os pais viajaram até o Rio e conseguiram encontrar a filha. Este foi um dos últimos casos do Estado que ganhou repercussão e teve um final feliz para os familiares.

De Acordo com a Civil, nos quatro primeiros meses de 2018, Pernambuco registrou uma redução de 21% nos números de crianças desaparecidas. De janeiro a abril de 2018, foram 37 ocorrências registradas em todo o Estado, contra 47 notificadas no mesmo período de 2017.

Serviço

Departamento de Proteção a Criança e Adolescente 

Telefone: 81 3184-3578 

e-mail: dpcadesaparecidos@policiacivil.pe.gov.pe

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