Especulação imobiliária apaga parte da memória de Paulista
Terreno que abrigou a fábrica Aurora atualmente acomoda um megaempreendimento imobiliário que vai receber 3 mil unidades habitacionais
Gentifricação é o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local. É quando, por exemplo, novos pontos comerciais são instalados ou novos edifícios construídos, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. O termo vem apoiado na ideia de que as obras beneficiarão a todos, mas não é isso que acontece na prática. O motivo das construções é claramente de interesse privado e está diretamente ligado à especulação imobiliária.
“A cidade tem propensão a ser planejada de acordo com a vontade do interesse privado, que não necessariamente é a mesma vontade da população, e nem sempre vai ao encontro das demandas defendidas por especialistas em planejamento urbano”, explica o mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, Emannuel Costa, no artigo “O que é gentrificação e porque você deveria se preocupar com isso”.
Por conta disso, esse processo acontece, especialmente, em bairros centrais, históricos ou com grande potencial turístico. É o caso do centro de Paulista, na Região Metropolitana do Recife. Distante 17 quilômetros da capital pernambucana, a área central do município vem, há alguns anos, enfrentando essa mudança.
O espaço onde durante anos funcionou a fábrica de tecidos Arthur, que fazia parte da Companhia de Tecidos Paulista, da família Lundgren, e era referência da indústria têxtil no início do século 20, se transformou em um enorme e pomposo shopping center. Tombada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), a chaminé com estilo neoclássico-gótico que pertencia à fábrica foi mantida e em nada combina com a estrutura moderna do centro de compras.
O terreno que abrigou a fábrica Aurora, que também fazia parte da companhia, atualmente acomoda um megaempreendimento imobiliário que vai receber 3 mil unidades habitacionais, além de salas comerciais e um centro de compras. Na época do anúncio da construção, muitos moradores da região foram contra e tentaram resistir, mas a Prefeitura de Paulista autorizou a obra e boa parte da edificação já está praticamente pronta.
Vivendo em Paulista desde criança, a aposentada Luiza Cabral, 80 anos, resolveu se mudar do município após virar uma ‘moradora solitária’ na rua em que morava, a Siqueira Campos, uma das principais vias da área central da cidade. “As casas da minha rua se transformaram todas em comércio, e eu fiquei aqui sozinha, sem vizinhos. Me sentia só no meio dessas lojas. Resolvi ir embora”, detalha Luiza, que há três meses mora na cidade vizinha, Olinda.
Já dona Maria Augusta Arruda, 81 anos, resolveu resistir. Moradora da rua Presidente Vargas, ela não apenas é vizinha do, quase na sua totalidade, comércio, como também divide o espaço em que mora com um dos estabelecimentos - a casa em que mora fica em cima de uma loja de roupas. Apesar da resistência, ela sente saudades da época onde a cidade era tomada por praças, parques e zoológico. “Agora, aqui vira um deserto quando escurece, porque depois que as lojas fecham não tem quase ninguém andando na rua. Quando a gente sai e chega mais tarde, entramos rápido em casa, porque é perigoso”, revela a aposentada, que mora há 40 anos na mesma casa.
Para o arquiteto e urbanista Pedro Correia, a especulação imobiliária precisa ser controlada. "Se construir prédios enormes desenfreadamente, você vai superlotar a cidade e isso vai refletir em diversos aspectos do dia a dia na cidade, como o saneamento básico, por exemplo", afirma.
Segundo o pesquisador Emannuel Costa, a gentrificação só será positiva quando beneficiar todas as camadas da população. “A gentrificação apenas será bacana e descolada de verdade quando todos os bairros puderem ver a renda de seus imóveis sendo elevadas, propiciando uma vida cultural, rica, vibrante, que respeite as tradições de cada lugar. Se não for por inteiro, então não vale”, conclui.