Contra espíritos e orixás
Intolerância religiosa cresce no país e ataca principalmente espíritas, umbandistas e candomblecistas
por Alexandre Cunha | dom, 21/01/2018 - 12:15
Por Katarina Bandeira
Olorum, Allah, Jeová, Deus. Mesmo com a grafia distinta, utilizadas por pessoas de diferentes religiões, todas as quatro palavras são designadas para nomear a mesma representação: um ser supremo, responsável pela criação do universo em que vivemos. Apesar da maioria das religiões monoteístas da atualidade cultuarem a mesma divindade, muitos religiosos não conseguem aceitar, ou conviver pacificamente, com pessoas que não seguem suas crenças e seus dogmas. O reflexo disso é o aumento expressivo de denúncias relacionadas à intolerância religiosa registradas pelo Disque 100, serviço de proteção aos Direitos Humanos da Presidência da República. O atendimento, que começou com um total de 15 queixas em 2011, registrou 759 ligações em 2016, denunciando manifestações de preconceito religioso, sendo a maioria das vítimas pertencentes a religiões de matriz africana e espírita.
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Não se sabe exatamente o que leva ao crescimento dessa onda de agressividade, uma vez que o Brasil já foi considerado um dos países, entre os mais populosos, com menor taxa de hostilidade social por motivações religiosas. Ele desceu da 2ª posição, em 2007, para a 9ª, em 2014, de acordo com o relatório feito pela Pew Foundation. Mas os casos não param. A ferramenta de busca Google lista quase 13 mil notícias sobre o tema, publicadas só no último ano, entre artigos relacionados ao aumento da violência e relatos - em todo o país - de agressões contra a fé.
Mas como são as religiões no Brasil?
A religiosidade em terras tupiniquins é representada tal qual seu povo, diversa, rica e cheia de nuances. O último Censo Demográfico, de 2010, mostrou o crescimento da diversidade dos grupos religiosos no Brasil. Mesmo que o país continue sendo o mais católico do mundo (apesar da quantidade de fiéis cair de 73,6% em 2000, para 64,6%), houve um número expressivo no crescimento da população evangélica, que passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010, em diferentes ramificações da crença. A pesquisa também aponta um aumento do total de espíritas (2%) e dos que se declararam sem religião (8%). Já a porcentagem de praticantes da Umbanda e do Candomblé, religiões de matriz africana, permaneceu em 0,3%.
O que esses números não mostram é a quantidade de casos de discriminação aos praticantes dessas religiões. Em 2016, foram registrados, em todo o país, 74 casos de preconceito contra umbandistas, 69 contra candomblecistas e 32 contra espíritas. Para ajudar no combate aos ataques, o Disque 100 também tenta traçar um perfil dos agressores, que são em sua maioria mulheres (totalizando 212 denunciadas, contra 209 homens), de 46 a 50 anos, sendo a maior parte vizinha das vítimas.
E o que é intolerância religiosa?
Destruir imagens, templos, terreiros, invadir celebrações, jogar pedras ou outros objetos, xingar e menosprezar a crença do diferente. Praticar intolerância religiosa é discriminar e tentar cercear as liberdades individuais e coletivas, de uma pessoa ou grupo, seja excluindo, ofendendo e praticando violência simbólica ou física contra seguidores de uma crença ou religião. É preconceito, resultado da falta de informação de pessoas presas à ideias pré-concebidas que, em alguns casos, acabam manifestando atitudes de raiva e hostilidade.
“Acho que foi Albert Einstein que disse que é mais fácil quebrar um átomo do que o preconceito. A gente sabe que vencer a discriminação é um trabalho persistente. É preciso fazer as pessoas ampliarem os horizontes e fazê-las entender que as religiões são boas. Elas são o departamento de cultura espiritual e não deveriam competir entre si”, diz Frederico Menezes, que já lançou 14 livros relacionados ao espiritismo e há 14 anos viaja o país para ministrar palestras sobre temáticas da religião. A religião Espírita está entre as três que mais receberam denúncias de intolerância em 2016, atrás da Umbanda e do Candomblé.
A outra face da intolerância: o racismo religioso
Para a Iyalorixá Denise Botelho o problema vai mais além da falta de informação. "O que vem ocorrendo no Brasil não é apenas intolerância religiosa. É um racismo religioso, porque a nossa religião é, em sua maioria, oriunda dos povos negros africanos. E ainda que hoje, a religião agregue segmentos étnicos diferenciados, ela ainda sofre as consequências do racismo”, afirma a mãe de santo.
Ela reforça que isso se dá tanto pelo visual, quanto pela menção das divindades que cultua. “Se eu saio com um turbante na rua, eu vou ser discriminada, se eu saio com minhas guias ou fios de conta eu vou ser discriminada, porque elas são a identidade cultural da minha religião. Sempre que encontro um religioso cristão que diz que Jesus me ama eu acho ótimo porque eu também amo Jesus, mas quando eu digo que Oxalá o ama aí a reação e o acolhimento já não é mais o mesmo”, lamenta.
Isso pode ser observado inclusive nas demonstrações de intolerância contra a religião espírita. “As pessoas que não conhecem o espiritismo associam, muitas vezes, a doutrina aos cultos afro brasileiros. E aqui não vai nenhum demérito à Umbanda ou ao Candomblé, que são segmentos que atendem a uma expressiva comunidade. Mas na verdade essas duas religiões não tem nada a ver com o espiritismo. Os pontos de convergência que elas têm é que adotam a mediunidade e creem na reencarnação”, explica Frederico Menezes. Ele também reforça que muitos ainda associam a doutrina espírita à loucura “Um conhecido meu conversava com uma amiga em comum e disse certa vez sobre mim: ‘Fred, por exemplo, adoro aquele menino, pena que é louco’, só porque eu sou espírita”, lembra.
Disque 100: um canal para a denúncia
É importante lembrar que qualquer pessoa está vulnerável a sofrer ataques preconceituosos contra sua religião e que eles podem e devem ser denunciados. No Brasil, a intolerância religiosa é considerada crime de ódio, classificada como inafiançável e imprescritível, além de ser uma violação dos Direitos Humanos. Em caso de discriminação pode-se dar queixa através do Disque 100, ou levar o caso para a delegacia mais próxima. A pena para quem for condenado por preconceito religioso varia entre 1 a 3 anos de prisão, mais o pagamento de multa, sendo também aplicada em casos de desrespeito contra ateus e agnósticos, de acordo com a lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Ela também pode acontecer acompanhada de outros tipos de discriminação identitárias, que devem ser observadas no momento da denúncia. Levar a queixa adiante é preciso principalmente para garantir o respeito e o direito às liberdades individuais.