O título do artigo não se refere àantiquíssima nareng, a laranja, fruta do gênero citrus, originária da Índia, de notável valor nutricional que chegou ao continente europeu graças aos navegadores portugueses e, daí, se alastrou pelas terras do novo mundo. (A propósito, o Brasil éo maior produtor de laranja do mundo).
Transformada em substantivo masculino, “o laranja”passa ser personagem central no mundo da fraude e que tanto pode ser um sujeito abestado, ou muito esperto, para servir de testa de ferro que empresta o nome ao delinquente para "legalizar" o produto do dinheiro sujo. (A propósito, o Brasil, também, éo maior produtor de “laranjas” do mundo).
No texto, laranja é, apenas, um pretexto para escrever sobre“a laranja mecânica”, metonímia aplicada à seleção holandesa de 1974 que, embora derrotada pela pragmática seleção alemã, não somente maravilhou o mundo como também revolucionou os sistemas táticos do maior espetáculo da terra, o futebol.
A expressão foi inspirada no filme anglo-estadunidense, (1971), produzido, dirigido por Stanley Kubrick, adaptado do romance homônimo de autoria Anthony Burgess (1962), filme que foi sucesso de público e nomeado para vários prêmios. O complexo enredo, com fortes conotações psicológicas e de crítica social, se passa num ambiente londrino futurista. É chocante e refinado.
Assim foi a futurista Holanda: avassaladora e refinada. O tom alaranjado das camisas nada tem a ver com a bandeira holandesa e sim com as cores da dinastia reinante no país, os Orange-Nassau. Da mesma forma, a famosa azurra italiana, na conquista do título da copa de 1934, vestiu azul, cor da dinastia Saboia (Victor Emmanuel 3º). A nossa“canarinha” apagou o uniforme branco manchado pelo trágico maracanazo; pintou de verde-amarelo seu padrão de camisas, embora, na conquista do primeiro título, a canarinha, vestisse azul.
Mas vamos ao que interessa: um nome e uma lenda, Hendrik Johannes Cruyff, falecido em 24 de março, foi a encarnação do futebol revolucionário. Não basta o justo tributo de incluí-lo entre os maiores jogadores do mundo. Ele foi o líder de uma transformação dentro do campo, como atleta, e fora dele, como treinador. Ele e o técnico RinusMichels.
Como “louco por futebol”e um curioso sobre o significado social do jogo, sou discípulo da definição de Nelson Rodrigues: “Em futebol, o pior cego éo que sóvêa bola. A mais sórdida pelada éde uma complexidade shakesperiana”. Ou seja, para mim, o futebol éuma metáfora da vida; uma manifestação cultural reveladora de traços de identidades nacionais, étnicas, e um fenômeno de enorme força mobilizadora
Assumo inteira responsabilidade pela afirmação: existiram váriosos sistemas táticos, praticados antes da seleção holandesa e, depois dela, simplesmente variações do futebol total, do “carrossel”holandês, um futebol coletivamente solidário e individualmente encantador.
E explico. O time austríaco de 1931/32 adotou o sistema MW; a Suíça criou o “ferrolho”em que nasceu o “líbero”; o WM nasceu na Escócia e teve vida longa atéque a Hungria espetacular de Puskas encantou o mundo como precursor do futebol total; o Brasil (Passolini dizia que o futebol brasileiro era poesia o futebol europeu, prosa. Velhos tempos.) subverteu toda e qualquer variação tática (4-2-4, 4-3-3, 4-4-2, 3-5-2, etc...) levando para o campo a combinação invencível de beleza estética e eficiência técnica graças aos gênios do futebol; em 1974, o que se viu foi o time holandês que marcava sob pressão a saída de bola; os jogadores não tinham posição fixa, todos atacavam e defendiam, em bloco, numa verdadeira blitz; regente era um maestro elegante, finalizador mortal, Cruyff que liderou uma geração diferenciada no Ajax, na seleção e, depois, como treinador, criou o estilo Barcelona de jogar um futebol educado, brilhante e que trata a bola com o carinho e a reverência que ela merece.
Cruiff foi vencido pelo tabagismo. Cruiff renasce em cada lance das disputas em que a arte vence a força grotesca, o recurso habitual da mediocridade.
PS. Poupei o eleitor de temas políticos. A medonha estratégia de transformar Sérgio Moro em vilão nacional elevou minha indignação a tal ponto que, reconheço, não éboa conselheira para quem escreve.