Fan Fest: amigos de Valcke tiveram lucro na Copa de 2014
Documentos revelam que a entidade máxima do futebol deu contratos justamente para ex-funcionários e diretores da entidade e companheiros de Jérôme Valcke, o então secretário-geral da Fifa, afastado por suspeita de corrupção.
A Fifa exigiu que as prefeituras brasileiras arcassem com a organização das Fan Fest, durante a Copa do Mundo de 2014. Mas documentos obtidos pela reportagem revelam agora que a entidade máxima do futebol deu esses contratos justamente para ex-funcionários e diretores da entidade e companheiros de Jérôme Valcke, o então secretário-geral da Fifa, afastado por suspeita de corrupção.
As festas foram criadas pela Fifa em 2006 na Copa da Alemanha como mais um espaço exclusivo para patrocinadores. São áreas fechadas onde jogos são transmitidos em telões e onde apenas os produtos oficiais podem ser comercializados.
MM Sports, uma empresa com sede na Alemanha, foi contratada pela Fifa para realizar uma consultoria sobre a "estratégia e conceito" da Fan Fest, assim como para "administrar e implementar" o evento no Brasil. A mesma empresa já havia recebido o contrato para montar a iniciativa na África do Sul, em 2010, e manteve o contrato para 2018, na Rússia e onde o governo do Kremlin será um dos fiadores da festa.
Ela é liderada por dois ex-companheiros de Valcke. Um deles é Gregor Lentze, que foi um dos responsáveis de Marketing da Fifa entre 2003 e 2006, sob o comando do francês. Foi Lentze quem primeiro desenvolveu e implementou na Alemanha em 2006 a ideia da Fan Fest. No ano seguinte, ele saiu da Fifa, formou a empresa MM Sports e ficou com o contrato.
Mas garante que não foi Valcke quem o deu o contrato. "Criamos o conceito da Fan Fest, como um evento completamente novo e que não existia antes", disse. "Foi um grande êxito para a Copa (de 2006), com 18 milhões de visitante. Depois da Copa do Mundo, eu deixei a Fifa e criei minha própria empresa, em Munique".
Ele explicou o motivo pelo qual foi contratado. "A Fifa queria fazer sua Fan Fest na África do Sul em 2010. Portanto, a Fifa me pediu se eu poderia apoiar sua equipe como especialista externo", disse Lentze. "Eu fui contratado com a MM Sports para a Copa de 2010", admitiu. Mas ele garante que quem fez a oferta não foi Valcke, mas seu ex-secretário-geral, Urs Linsi.
Para 2014, Lentze diz que um novo contrato foi feito. Mas, uma vez mais, insiste que Valcke não esteve envolvido. Segundo ele, quem o contratou desta vez foi Thierry Weil, diretor de marketing da Fifa. Na estrutura da entidade, Weil não tomava decisões sem o acordo de Valcke.
A empresa contratada também é liderada por Stefan Schuster, outro funcionário do alto escalão da Fifa, responsável pelo setor de marketing e vendas e que também trabalhou ao lado de Valcke no período em que o francês era o diretor de marketing da Fifa. Schuster foi uma das partes do processo em uma Corte Americana acionada pela Mastercard e que condenou a Fifa de ter violado o contrato com a multinacional.
A juíza norte-americana Loretta Preska condenou a Fifa por seu comportamento com a empresa e por ter rompido o contrato, passando para a Visa. A entidade esportiva, em 2006, foi obrigada a pagar US$ 60 milhões em indenizações e Valcke foi afastado. Um ano depois, Schuster entraria na MM Sports, enquanto Valcke voltaria para a Fifa como secretário-geral.
POLÊMICA - Mas seria no Brasil que o evento ganharia uma dimensão de polêmica. Isso porque a Fifa passou a exigir que fossem as cidades-sede quem bancassem a Fan Fest. No Rio, a prefeitura tentou resistir. Mas acabou cedendo e colocando o evento na praia de Copacabana. A administração municipal tentou buscar parceiros para arcar com os custos e a Empresa de Turismo do Município do Rio estimou que o gasto chegaria a R$ 12 milhões.
Outras cidades-sede também entraram em debate com a Fifa para tentar reduzir o aporte de dinheiro público na organização das Fan Fest. Cinco sedes pediram para mudar a festa de lugar para economizar - como Belo Horizonte, Curitiba, Natal, Porto Alegre e Salvador. No Recife, a decisão da prefeitura foi a de peitar a Fifa e se negar a realizar o evento orçado em R$ 11 milhões. Em Manaus, ela custaria cerca de R$ 10 milhões, valores semelhantes em outras regiões.
Pelo acordo com o Brasil, a Fifa forneceria o palco, telão e equipamentos de luz e som de cada uma das Fan Fest. Caberia à TV Globo arcar com divulgação e transmissão, enquanto que as prefeituras montariam os locais, estruturas, segurança, organização e limpeza.
No informe financeiro da Fifa de 2014, a entidade aponta que destinou US$ 18 milhões para as Fan Fest na Copa. Mas não revela o valor de cada contrato.