Bravo, bravíssimo!
No Dia Mundial do Teatro, atores falam sobre as alegrias e as dificuldades da profissão
Enfrentar as dificuldades financeiras, passar por cima do encantamento digital, quebrar barreiras como a desvalorização cultural pelo poder público e o hábito da população, que não costuma frequentar teatro. São inúmeros os desafios encontrados por aqueles que fizeram do teatro a sua profissão. O Dia Mundial do Teatro foi criado pelo Instituto Internacional do Teatro, na França, e é comemorado desde 1961 em 27 de março.
Para marcar a data, o LeiaJá conversou com os artistas Bruna Camargo, Ricardo Saldaña e Edson Paulo Souza sobre as alegrias e as dificuldades de uma vida dedicada ao teatro como profissão.
Recém-formada Bacharel em Teatro, Bruna Camargo está na área desde os 10 anos de idade. Ainda na escola, teve sua primeira experiência e nunca mais deixou as artes cênicas. Na adolescência, buscava aprimorar seu talento em diversos projetos sociais até começar a participar da Oficina Cultural Luiz Gonzaga, em São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo. Viu no teatro a possibilidade de transformar seu dom em profissão: “em determinado momento da minha vida, senti a necessidade de escolher uma ferramenta para contar histórias e, já estando no teatro, percebi o potencial que essa ferramenta poderia ter para compartilhar essas histórias.”
A atriz Bruna Camargo em ação na peça "Um Trem Chamado Desejo" - Foto: Vera Moura
A atriz aproveita para analisar o momento atual no qual vê a tecnologia criando um empecilho para o teatro: “a dificuldade é convencer o público a ir até o teatro em um mundo que é cada vez mais digital. Eu tenho a impressão de que se você não está na rede social, se você não está na Internet, é como se você não existisse”. E completa: “temos que fazer com que as pessoas tenham contato com arte desde sempre e o melhor ambiente para isso é a escola. Uma criança que tem contato com arte provavelmente será um adulto consumidor de arte.”
O músico e ator Ricardo Saldaña diz que não escolheu a profissão mas foi escolhido por ela: “muita gente fala: ‘é o teatro que te escolhe’ e realmente é um pouco disso porque depois que você experimenta e se propõe a fazer, é muito difícil sair”.
Nascido em uma família de músicos, Saldaña encontrou no teatro uma válvula de escape para a timidez. “Foi um desafio. Claro que já via a beleza do teatro mas não frequentava peças e fui buscar algo novo”, conta.
Aos 37 anos, seis deles dedicados aos palcos como ator, Saldaña acredita que um grande problema para o teatro nos dias atuais esteja ligado à escolha do grande público pela TV: “as obras teatrais ficam menos acessíveis ao grande público que precisa sair de casa e ir conferir o resultado de complexas pesquisas realizadas a fim de produzir uma peça, o que é bem diferente de uma novela, onde a identificação é mais fácil. A TV é algo muito passivo, basta ligar o aparelho e a programação estará lá”.
Participando atualmente do Grupo Redimunho de Investigação Teatral, em São Paulo, Ricardo Saldaña acredita no poder transformador da arte na vida das pessoas. “A arte é um importante meio de transformação do ser humano. Um país que usa o teatro não só como entretenimento mas como um meio de educação constrói uma sociedade melhor”, declara.
O ator Ricardo Saldaña em cena - Foto: Facebook/Divulgação
Fundador e ator integrante do grupo de teatro de rua “O Buraco d’Oráculo”, Edson Paulo Souza tem 26 anos de carreira. Desde 1998 se dedica ao grupo, oriundo da Oficina Cultural Amácio Mazzaroppi, que busca inspiração nas expressões populares e na aproximação com o público espectador. Defensor da integração entre cultura e educação para a formação de um público teatral, o fundador do grupo considera que a forma mais expressiva das artes é o teatro. "Nele a música, as artes plásticas, o audiovisual... o teatro agrega todas as artes em um único lugar e desta forma se consegue valorizar a cultura”, afirma.
Ator Edson Paulo Souza, espetáculo "Pelas Ordens do Rei Que Pede Socorro" - Foto: Carlos Goff
“O Buraco d’Oráculo” fez morada no bairro de São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo e atualmente é formado por Luiza Galavotti, Lu Coelho, Nataly Oliveira e Misael Alves, tendo em seu repertório atual as peças “Cuzcuz Fedegoso” (2013), “O encantamento da rabeca” (2013) e “Pelas ordens do Rei que pede socorro” (2018).
Edson ressalta a dificuldade de viver apenas do teatro: “não temos apoio, não existe um programa público direcionado ao teatro e os que existem não são suficientes para a demanda”, explica. O ator considera um privilégio estar em São Paulo, onde ainda consegue buscar incentivo em iniciativas como o Programa Municipal de Fomento ao Teatro, em vigor desde 2002, mas revela que todos os integrantes do grupo precisam exercer atividades extras. “Alguns fazem aquilo que costumamos dizer, ‘costura para fora’, mas também ligado à área artística: oficina de teatro, oficina de circo ou mesmo aula relacionada ao universo das artes”.
Apesar das adversidades, Edson festeja o Dia Mundial do Teatro: “sempre tem o que comemorar. Mesmo com todas as dificuldades que nos são impostas, o teatro será sempre um lugar de resistência, o teatro sempre vai existir. É a única arte que depende do ser humano presente a cada momento de suas realizações”, diz.