Ensaios e muito estudo: a rotina de um músico erudito
Instrumentistas da Orquestra Sinfônica do Recife têm em comum a rotina dedicada a ensaios e estudos e a luta pra conseguir viver de uma paixão: a música
Sob o comando do Maestro Marlos Nobre, a Orquestra Sinfônica do Recife (OSR) reúne seus instumentos de corda, sopro e percussão, numa harmonia de sons, para realizar ensaios diários no histórico Teatro de Santa Isabel, sua 'casa'. A prática vai das nove da manhã ao meio-dia, e é o melhor caminho para a perfeição durante os concertos. Contrariando a crença de que basta ter talento nato, os músicos ainda dedicam cerca de duas a três horas por dia a estudos individuais, cuja importância é destacada de maneira unânime pelos membros da orquestra. Além disso, para vencer as adversidades, é necessário incluir ainda força de vontade, dedicação, foco e carinho pelo que fazem em suas rotinas.
Na Orquestra, o português Antonio dos Anjos, aposentado em Portugal, atua como spalla. O termo italiano é usado para designar o primeiro violino da orquestra, que executa os solos e hierarquicamente está abaixo apenas do maestro, a quem eventualmente pode substituir na regência em ensaios e orientações aos músicos. Ele morou até 2011 em seu país natal, até que veio ao Brasil com sua esposa nordestina. A princípio, a ideia era apenas passar férias e curtir o tempo livre, mas o amor pelo que faz é tão grande que não soube ficar longe da música por muito tempo. Ao receber um convite para voltar à ativa, aceitou e fincou raízes de vez no Recife. Agora, se dedica novamente aos sons das sinfonias.
Jade Martins, violinista, começou a trilhar seu caminho no universo musical aos 11 anos, por influência da família, ao entrar no Conservatório Pernambucano de Música para estudar. O que no inicio era apenas um hobby hoje é profissão e estilo de vida. Aos 25 anos, a estudante se divide em mil para cumprir sua pesada agenda que inclui tocar na Orquestra Sinfônica do Recife e na Orquestra de Câmara de Pernambuco, assistir aulas na faculdade - na qual está cursando sua segunda graduação ligada à música -, dar aulas particulares e se apresentar em casamentos e outros eventos.
Em entrevista ao LeiaJá, ela garante que sua rotina é prazerosa, pois ama o que faz, mas não deixa de destacar a dificuldade. “Acredito que posso ser bem-sucedida financeiramente na música assim como em qualquer outra área é possível, mas acho que o incentivo para a música clássica, principalmente aqui em Pernambuco, não é o suficiente”, conta. “Nós não recebemos salários bons, não temos incentivos, temos que nos desdobrar ao máximo para ir atrás de qualquer chance e, quando finalmente conseguimos, não temos auxílio nenhum, nem em coisas como passagens, nada. A gente rema contra a maré”, conclui.
Tocando em orquestra há 29 anos, o violoncelista Fabiano Menezes afirma que consegue viver da música. No entanto, faz questão de frisar: “É um privilégio. A gente sabe que é difícil no Brasil viver de música, então para todos os artistas que conseguem viver de arte é mágico, e bem gratificante”, diz o músico ao LeiaJá.
João Carlos Araújo, um dos mais antigos integrantes da Orquestra Sinfônica do Recife, com 23 anos de casa, também vive da sua arte, e se mostra contente que o público ainda nutra um interesse pela música clássica, como provam os concertos de casa cheia realizados no Teatro de Santa Isabel. Por outro lado, ressalta a necessidade de mais incentivo público. “Acho que a Orquestra deveria também ter atividades mais populares. Não de popularizar o repertório, mas de popularizar as locações, por exemplo, propondo uma apresentação na Jaqueira, no Treze de Maio, no Marco Zero, ou seja, em espaços públicos que tenham capacidade e alcance maiores”, sugere.
Ele destaca também as 30 vagas atualmente em aberto no grupo. “É uma defasagem que poderia estar sendo preenchida por jovens talentosíssimos, mas eles não têm a oportunidade de fazer um concurso”, afirma João Carlos.
Alguns programas de bolsas de estudo na música são oferecidos para jovens talentos, como a violoncelista Herlane Silva. Ela, que assim como Jade começou sua paixão pela música aos 11 anos, ingressou nesse mundo através de um projeto social, e desde então não consegue mais se ver fazendo outra coisa. “Eu tinha escolhido o violino a princípio, mas achei muito agudo. Depois passei para o contrabaixo e não gostei. Por fim, eu fui assistir a uma aula de violoncelo e me apaixonei de vez”, conta.