Filme mexicano sobre fim da vida emociona Cannes
"Chronic", do mexicano Michel Franco, único filme da América Latina na disputa pela Palma de Ouro, provocou impacto no Festival de Cannes com uma descrição sóbria, realista e devastadora do fim da vida.
Com uma interpretação sensível do ator britânico Tim Roth, o primeiro filme rodado em inglês pelo diretor mexicano de 36 anos recebeu muitos aplausos na sessão para a imprensa.
Roth interpreta David, um enfermeiro que cuida de pacientes em fase terminal.
Simples e eficaz, aborda o tema inevitavelmente universal da velhice, doença e morte, tabu para uma sociedade ocidental que muitas vezes deixa os idosos nas mãos de trabalhadores anônimos.
"Tento não pensar muito na morte, mas todos sabemos que está ali e que vamos ter que enfrentá-la, cedo ou tarde", disse Franco na entrevista coletiva.
"Para mim, quem carrega o filme é o personagem de Tim e a entrega que tem com os pacientes", completou.
O longa-metragem, meticuloso, consegue demonstrar um tom de veracidade psicológica que será reconhecido por qualquer espectador que já passou por uma situação similar. Mostra a proximidade do relacionamento com o paciente, que vai muito além do estrito atendimento médico.
A proximidade provoca em alguns casos discussões com os parentes, que não podem cuidar da pessoa e sentem culpa.
Com momentos de desconfiança e até paranoia, David é obrigado a enfrentar até a acusação infundada de alguns parentes de assédio sexual contra um paciente idoso.
"Os cuidadores têm relações com os pacientes que os familiares nunca terão", comentou Michel Franco.
O diretor revelou que a inspiração para o filme foi a situação de sua avó, que ficou doente e passou muitos meses na cama antes da morte.
"Isto me levou a pensar como é a vida de uma pessoa que trabalha nesta área. É o resultado do sentimento que tive por uma enfermeira, Beatriz, que cuidou da minha avó e compareceu ao enterro para ver os familiares. Perguntei há quanto tempo estava neste trabalho e ela respondeu 20 anos. Decidi fazer um filme sobre o tema".
"Chronic" consegue evitar o excesso de drama e sentimentalismo ao abordar com sutileza situações complicadas, como por exemplo a passagem de tempo particular de pessoas que não esperam mais nada, em um clima de tédio infinito.
A precisão psicológica alcança o nível máximo no momento de tratar do tema complexo da eutanásia - Franco e Roth se declararam a favor da legalização -, mas sobretudo as motivações do enfermeiro.
David assume os cuidados de um novo paciente logo após a morte do anterior, em uma relação de dependência que vai além da necessidade econômica de ganhar a vida. Ele é alguém que só tolera a vida quando confrontado com a situação limite.
O protagonista tem um motivo pessoal para sobreviver desta forma, que se revela ao espectador à medida que a trama avança.
O título "Chronic" é uma referência ao estado de depressão permanente do enfermeiro. A maneira inesperada como o longa-metragem chega ao fim é, segundo o diretor, "o resultado de todo o filme, não poderia terminar de outra maneira".
O filme é uma produção mexicana, rodado no México, mas, por ser um tema universal, Franco optou por um longa-metragem em inglês, um protagonista britânico e uma trama situada na Califórnia.