'Carrie - a estranha': basta adicionar iPhones
Refilmagem do clássico de Brian de Palma é mais explicativo e menos sangrento que o original
A crise de criatividade do chamado grande cinema não cessa. Depois de centenas de adaptações de livros, quadrinhos e continuaçōes, os pesadelos de uma geração são revisitados em Carrie - a estranha, o filme de terror da geração do iPhone. Acaba por transfomar um dos filmes de terror mais aclamados dos anos 70 numa peça de cinema supreendentemente higiênica.
O filme é um remake do primeiro sucesso de bilheteria do agora aclamado diretor Brian de Palma (Missão impossível, Sexo mentiras e Videotape, Femme Fatale), Carrie a estranha(1976). Numa época tão marcada pela ideia de bullying, assistir a um filme como Carrie gera imediatamente uma certa empatia. A história de uma menina outsider e retraída devido a criação de uma mãe ultra religiosa e punidora (Julianne Moore, brilhante), Carrie nos mostra que o mal não possui idade ou rosto feio, mas possui acesso às redes sociais. Com a chegada da primeira menstruação da tímida menina, também se manifestam os primeiros sinais de uma força oculta e atemorizante contra aqueles que lhe fizeram mal. Mas a simpatia acabar por aí.
A direção da diretora Kimberly Pierce (Garotos não choram) dá um toque diferente da história original de De Palma. É um filme mais explicativo, menos apelativo do que o original, com menos nudez e, supresa, menos sangrento. A cena inicial de quando Carrie tem seu primeiro sangramento menstrual tem sua crueldade aumentada pela gravação e divulgação das imagens via youtube, uma cena crível, bem feita e perturbadora. Mas, de todo, é um filme muito mais bem comportado que o original, ainda que mais cruel, sangue de porco presente ou não.
Parte do problema é a seleção da atriz principal. Chloe Grace Moretz (Kickass) não tem um pingo de cara de vítima, algo essencial na personagem de Stephen King. O domínio preciso da telecinese de Carrie na história transforma o novo filme em algo mais como um conto de vingança e catarses de todos os abusos e bullyings. É uma oposição ao filme-metáfora de Brian de Palma, do poder explosivo decorrente de emoções fortes reprimidas e hormônios em polvorosa, explosões de raiva típcas da adolescência, manifestações da emoção. Carrie é uma personagem mais desenvolvida, uma pessoa completa e compreensível, mas é menos força da natureza.
Carrie a estranha era um dos filmes que deixavam um gosto forte no fim, e um dos poucos filmes capazes de rivalizar com O iluminado, de Stanley Kubrick, na larga categoria de adaptações de obras de Stephen King, um filme ultra assustador. No fim, sofre a audiência na segunda metade do filme, que começa assistindo um excelente filme de terror à moda antiga para observar um tipo de remake bem comportado que mistura a estética de X-men e as mortes da série A Premonição.