Entrevista: Dominique Dreyfus, biógrafa de Luiz Gonzaga

Pesquisadora e jornalista francesa é autora de "Vida do Viajante - a Saga de Luiz Gonzaga" e participa neste sábado (9) das Jornadas Gonzagueanas

por Felipe Mendes sab, 09/06/2012 - 09:38
Chico Peixoto/LeiaJáImagens Dominique Dreyfus escreveu Chico Peixoto/LeiaJáImagens

A jornalista e pesquisadora francesa Dominique Dreyfus é uma profunda conhecedora da música e da cultura brasileiras. Tendo passado sua infância aqui no Brasil, morando no Recife, levou de volta para a França a experiência da convivência com a cultura brasileira e transformou essa proximidade em seu trabalho, como conceituada jornalista cultural do país europeu.

Dominique é autora de "Vida do Viajante - a Saga de Luiz Gonzaga", considerada a mais completa biografia do Rei do Baião já publicada. Ela está no Recife para participar, neste sábado (9), das Jornadas Gonzagueanas, que acontece neste sábado (9), às 17h, na Livraria Cultura (Paço Alfândega - R. Madre de Deus, s/n - Recife), com entrada gratuita. As jornadas são promovidas pelo Memorial Luiz Gonzaga, como parte da programação do São João do Recife 2012. Confira entrevista exclusiva da autora ao Portal LeiaJá.



Quando começa sua relação com o Brasil e com o nordeste brasileiro?



No dia 24 de julho de 1948, quando aterrisa no aeroporto do Recife um avião com meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã e eu, pequenininha. A gente veio morar no Brasil. Mas a relação da família com o país começou antes. Meu avô paterno, Gaston Dreyfus, veio morar na América Latina no início do século 20. Meu pai nasceu na Argentina e, como era tradição, foi enviado à Europa para estudar e as duas irmãs dele, coincidentemente, casaram com brasileiros.Meus pais vieram depois da Segunda Guerra e nós ficamos quase 11 anos morando aqui.

E quando você conheceu a música de Luiz Gonzaga. Já nesta época?



No dia em que eu cheguei, porque era o momento em que ele começou a estourar, se ouvia Luiz Gonzaga o dia inteiro onde quer que fosse. Nós fomos morar em Garanhuns e tinha só uma emissora na cidade. Eles botavam alto falantes pela cidade toda e você, queira ou não queira, escutava rádio o dia inteiro. Eu posso cantar todos os reclames da época e todas as músicas de Gonzaga. Era também a grande época do samba-canção, então eu já sabia as músicas de Dolores Duran.Eu já nasci gostando de música, e como a música é boa, já me interessei. E eu sempre gostei de Gonzaga.















Quando esse gostar vira um projeto de pesquisa? Quando você decide fazer uma biografia de Luiz Gonzaga?



Quando fui estudar na universidade, minha opção foi estudar letras/português. Meu mestrado foi sobre o discurso amoroso do samba, mostrando o que esse discurso dizia sobre a sociedade brasileira. Depois fui fazer um doutorado, e resolvi trabalhar a música popular brasileira como um espelho dessa sociedade, como a gente podia contar toda a história do Brasil baseando-se na música. Seja dito que você pode fazer isso com qualquer música de qualquer lugar do mundo.Na realidade eu abandonei essa tese no meio do caminho e só a retomei agora, a defendi ano passado. Nesse meio tempo comecei a escrever na imprensa, a ser chamada pela imprensa francesa para escrever sobre música brasileira. Me tornei um pouco a especialista em música brasileira de Paris, e isso fez com que eu ficasse cobrindo todos os eventos de música brasileira lá. E eu vinha muito ao Brasil.

Em 1985, Luiz Gonzaga foi pela primeira vez convidado para um festival de música brasileira na França. Eu fui fazer a cobertura do evento com muito prazer, por que continuava gostando de Gonzaga, já tinha entrevistado ele como jornalista. Neste festival, na terceira música, ele disse: “Olha, eu estou ficando velho e essa sanfona é muito pesada, então vocês vão me desculpar, mas eu vou sentar”. Trouxeram um banco, ele sentou e continuou o show. E eu comecei a pensar: “É mesmo, Gonzaga está ficando velho. Estranho porque de repente ele vai morrer e não tem um livro sobre ele”. Toda vez que eu vinha ao Brasil comprava tudo o que se publicava sobre música no país e nunca vi nenhum livro aprofundado sobre ele. Tinha dois livros pequenos, muito certos, úteis, mas que não têm muita informação. E eu achava curioso ninguém ter escrito uma biografia sobre ele, aí pensei “então vou escrever”. Surgiu assim, neste show.







O livro só foi publicado em 1996, 11 anos depois, porque a demora?



Quando acabou esse show eu escrevi para o Gonzaga sugerindo e explicando meu projeto. Ele demorou um tempão, mas respondeu dizendo que sim. Então no ano seguinte, 1986, eu fui para Exu, fiquei dois meses com Gonzaga, depois mais um mês sem ele para completar minha pesquisa e voltei para a França com meu material. Mas em nenhum minuto me ocorreu que esse livro seria para o Brasil. Como uma francesa iria escrever um livro sobre Gonzaga para os brasileiros? Minha ideia era publicar na França, então antes de começar a escrever o livro fui procurar uma editora e descobri que nenhuma estava interessada em publicar um livro sobre Gonzaga, que era um desconhecido por lá, mesmo que o enfoque fosse muito sociológico, de contar a história do nordeste, mostrar o que era o nordeste através da história de um personagem sumamente emblemático, metafórico. Ninguém queria, eu fiquei com esse material todo e teve uma hora que eu botei no baú e continuei a viver minha vida de jornalista.

Seis anos depois, no início dos anos noventa, recebi um telefonema do Tarik de Souza, que há muitos anos é um amigo meu, dizendo que tinha sido chamado por uma editora paulista – a Editora 34 – para criar uma coleção musical, e Gonzaga seria o primeiro livro da série. Ele sabia do trabalho de pesquisa que eu tinha feito e sugeriu à editora meu nome. A editora achou estranho trazer uma francesa que morava em Paris para escrever sobre Gonzaga, mas ele explicou e eles disseram que tudo bem. Isso em 1992. Eu tinha umas oitenta horas de entrevista com Gonzaga e muita gente mais. Aí eu voltei para o Brasil, fiquei mais um tempão para completar a pesquisa. Entreguei o manuscrito em dezembro de 1995 e o livro saiu em agosto de 1996.

Como pesquisadora e biógrafa, como você enxerga o impacto de Gonzaga e sua obra na cultura brasileira?



Ele é um personagem chave, porque ele é a pessoa que pega o folclore nordestino e transforma em música popular em nível nacional. Ao fazer isso, ao dar um outro formato a esse folclore nordestino, ele expande essa música pelo Brasil inteiro, ele nacionaliza uma música que era unicamente nordestina. E, ao mesmo tempo – e talvez onde ele seja mais importante ainda –, ele faz com que o nordeste seja conhecido. Quando o grande sucesso que ele teve nas décadas de 1940 e 50 pára porque chega a bossa nova, eu não sei se o público do sul tinha compreendido e conhecia bem o nordeste. Eles continuavam desconhecendo e tendo uma visão de que nordestino era tudo cangaceiro com uma faca entre os dentes, mas o Gonzaga foi quem começou a fazer o nordeste ser conhecido.

Ele preparou o terreno para a chegada dessa geração de Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e de outras gerações. Agora, eu não sei dizer se a música nordestina teve um impacto sobre outras músicas. Ela não mudou o rumo das outras músicas brasileiras, como o samba, o choro, eles não foram influenciados pelo nordeste, pelo baião. O que teve foi ficar conhecido, instalar essa música dentro do panorama da música brasileira, de existir como música brasileira.







Dominique, você sabe dançar forró?



Sei. Mas não o forró de vocês, e sim o forró dos anos cinquenta. Quando eu morava aqui, a festa mais animada da minha vida era o São João. Meus pais festejavam muito, todo ano tinha fogueira, quadrilha. Meu pai foi diretor da Aliança Francesa e organizava uma festa de São João lá que ficou conhecida e tinha uma quadrilha maravilhosa, que começava a ensaiar dois meses antes. E ele contratava mulheres para fazer pamonha, munguzá, cuscuz, todas as comilanças de São João, era uma coisa muito festejada todo ano pela gente.

Eu tenho lembranças dançando forró com quatro anos. Sempre gostei muito de dançar forró.

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