"O embate entre analógico e digital"
Festival Janela Internacional de Cinema emite comunicado sobre falha técnica na abertura
Quem comparaceu à abertura do IV Festival Janela Internacional de Cinema pode perceber a falha técnica ocorrida durante a exibição do filme "Febre do Rato", de Claudio Assis. O som não foi executado em sua totalidade, o que causou certo desconforto nos espectadores durante a projeção do filme, de 110 minutos.
No site oficial do festival, o cineasta e organizador Kleber Mendonça Filho emitiu um comunicado oficial nesta segunda-feira (7) para esclarecer o que houve: "O embate entre analógico e digital", diz um trecho da carta aberta. Confira, na íntegra:
COMUNICADO OFICIAL
Para que sejam esclarecidos problemas técnicos no primeiro final de semana do Janela Internacional de Cinema do Recife, especificamente no Cinema São Luiz, emitimos o seguinte comunicado.
Na noite de abertura, Febre do Rato teve reprodução sonora ruim, muito distante do que nós do Janela e dos que cuidam do São Luiz aceitaria. Isso deu-se por causa de dificuldades técnicas entre o processador de som do São Luiz e o sistema digital trazido pelo Janela. O embate entre analógico e digital.
O ar condicionado, embora operacional e no limite da sua capacidade, tem performance insuficiente com a sala lotada.
O São Luiz amanheceu domingo sem eletricidade, com uma pane na sua central elétrica. A equipe da Fundarpe foi rápida na resposta trazendo um gerador de 180Kva. Mesmo assim, o problema acarretou atraso de duas horas e 40 minutos na programação, prejudicando a sessão muito especial que havíamos preparado em acordo com a Universal Pictures do filme Spartacus. Além disso, os curtas metragens programados para depois também foram prejudicados com o atraso.
O Janela tem uma relação excelente de diálogo e colaboração junto à Fundarpe - Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. Nosso festival nasceu em 2008 a partir do apoio da própria Fundarpe, que continua sendo seu grande apoiador através do edital do áudiovisual Funcultura. No São Luiz, contamos com uma equipe fantástica de gestores e programação, profissionais que cuidam de maneira apaixonada pelo espaço. A equipe do Janela sente-se 100% apoiada por essa equipe, uma real parceria.
Há tres meses, o Governo de Pernambuco comprou o São Luiz (o imóvel) por, segundo informações divulgadas, cinco milhões de reais, garantindo esse patrimônio cultural depois de dois anos administrando o espaço. É um plano ousado e incomum esse do Governo de Pernambuco no mundo neo-liberal de hoje. Para se ter uma idéia, até mesmo uma cidade como Nova York (EUA) conta hoje com um único cinema de rua do porte do São Luiz (o Ziegfeld).
Numa cidade como o Recife, onde a iniciativa privada dita as regras, e o centro da cidade permanece misteriosamente abandonado em termos de conservação, administração e fomento às melhorias na área, a idéia de uma sala de rua inaugurada em 1952 no centro do Recife é algo visto com estranheza e alguma recusa por muitos, um modelo antigo numa época onde o ato de ir ao cinema está atrelado ao shopping center.
Pois bem. Acreditamos que o investimento do governo é correto. Só no último mês, tivemos uma ocupação inédita do São Luiz pós-reinauguração que devolveu uma vida espectacular à grande sala.
A Jornada de Cinema Silencioso, a mostra Play The Movie do Coquetel Molotov, a pré-estréia do filme O Palhaço, de Selton Mello, O FICI - Festival de Cinema Infantil, Animage, e agora o Janela IV. Uma ocupação democrática pelos que fazem e divulgam o audiovisual em Pernambuco. Filas serpenteando o quarteirão voltaram a ser vistas, algo que não ocorria desde Titanic, em 1998, e uma imagem que muitos associam aos anos 70 e aos filmes dos Trapalhões. O São Luiz teve tanto público nesse último final de semana de Febre do Rato e Laranja Mecânica, que o trânsito na Rua da Aurora ameaçou parar, deixando impressionados transeuntes acostumados com o ostracismo da sala nos últimos anos.
Tudo isso nos leva às necessidades óbvias da sala do ponto de vista técnico. O trabalho de restauração e reforma estrutural feitos no São Luiz nos últimos anos foram feitos, mas a Fundarpe precisa fechar o círculo e reequipar o cinema totalmente. Da central elétrica e de ar-condicionado à, claro, à cabine de projeção.
No sábado à noite, na sessão de Laranja Mecânica, tivemos uma demonstração do tipo de equipamento moderno que o São Luiz precisa ter o ano inteiro, e não apenas durante um festival como o Janela. Do som perfeito via processador especialmente instalado à imagem do projetor 2K, o São Luiz tornou-se uma sala de referência, e é assim que ele deve ser sempre. Em 2011, o áudiovisual é formado por inúmeros formatos de projeção. O próprio governo de Pernambuco incentiva filmes em formato digital, mas o São Luiz não está normalmente equipado para projetá-los.
Com os problemas tecnicos vividos nesses dois dias, as duas equipes, a do São Luiz e a do Janela, estão no limite do stress, pois as duas partes só pensam em fazer o mais absoluto melhor para exibir filmes.
Ontem, ouvimos duas pessoas do público questionando se o Janela V em 2012 não poderia acontecer em algum outro espaço. Respondemos que não há a menor chance. O Janela não irá ao multiplex nem a qualquer outro espaço sem personalidade, sem cinema. É uma sorte poder contar com o São Luiz, e o São Luiz sempre deverá ser a casa de um festival como o Janela. Precisamos, apenas, melhorá-lo, deixá-lo não apenas a mais bela sala do Brasil em funcionamento, mas também a melhor e a mais bem equipada. O São Luiz é uma vitrine para o cinema, para Pernambuco e para o Recife. Para nossos convidados estrangeiros, é uma vitrine para o Brasil.
Ficam aqui as nossas desculpas, o nosso agradecimento ao público e à equipe do São Luiz que está fazendo o que pode.
Atenciosamente,
Kleber Mendonça Filho