A luta do canavial na memória de um jovem médico

Ao lado dos pais, Jonas viveu a realidade do corte da cana de açúcar. Vida dura, mas que não deixou a educação de lado. Caiu muitas vezes diante das adversidades, levantou-se e realizou o sonho de ser médico

por Martina Arraes ter, 30/05/2017 - 11:51
Paulo Uchôa/LeiaJáImagens Jonas trabalhou como cortador de cana e hoje é médico residente Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Canavial, alta tempratura e inchada nas mãos estão longe de fazer parte do cenário ideal para uma criança. Mas essa foi a realidade do jovem médico Jonas Lopes, durante sua infância e adolescência, no município de Joaquim Nabuco, Zona da Mata Sul de Pernambuco. 

Filho de pedreiro e agricultora, Jonas conheceu o trabalho da monocultura de cana de açúcar desde muito novo. A primeira vez que cortou cana foi aos sete anos de idade. Mas foi na adolescência, entre 14 e 15 anos, que começou a trabalhar de fato como cortador de cana para ajudar em casa. 

“Desde pequeno Jonas sempre foi meu companheiro e também ia comigo para o canavial. Essa foi a forma que achei melhor para mostrar a realidade para ele e que se não estudasse aquilo seria o futuro. Eu tenho sete filhos e ele era o mais danado de todos, mas sempre foi muito inteligente. Eu tive que ser dura com ele para que pudesse entender e aprender o que era importante”, relata dona Edileusa Maria da Silva, mãe de Jonas.

 

Foi no esforço da sua mãe que Jonas encontrou inspiração para lutar pelo que queria. Por ser muito teimoso, chegou a parar de estudar por duas vezes durante a adolescência. Porém, um momento ficou marcado na memória do médico. “Eu era criança, mas lembro como se fosse ontem. Minha mãe precisava comprar a comida da semana e meu caderno da escola, mas o dinheiro que tinha na hora não dava. Ela então diminuiu na feira, mas não deixou de comprar o caderno. Aquilo me marcou muito. Ali eu vi o quanto ela queria que eu estudasse e desde então não parei mais”, detalha.   

O pai de Jonas, seu José Lopes da Silva, era pedreiro, mas nem sempre estava trabalhando, às vezes faltava trabalho e Edileusa tinha que se virar sozinha. “Mesmo com toda dificuldade eu fazia de tudo para que meus filhos permanecessem na escola. Eu queria que eles tivessem o que eu não tive, que foi a oportunidade de estudar. Infelizmente, eu tive que começar a trabalhar muito nova e não estudei, com 15 anos eu já atuava no campo. Gosto muito de trabalhar, dou valor ao serviço que fiz e ainda faço, mas sei que poderia ter vivido melhor se tivesse estudado”, conta dona Edleusa. 

Hoje, com 31 anos e formado em medicina pela Universidade de Pernambuco (UPE), Jonas faz residência no Hospital Maria Lucinda, no Recife, e sonha em ser cardiologista. O médico lembra com orgulho de toda sua trajetória até chegar o dia de receber o tão esperado diploma. Jonas prestou vestibular por quatro vezes até ser aprovado. A primeira em 2006, quando conheceu o sistema de cotas da UPE, porém, levou ponto de corte em química.

Após a primeira reprovação, Jonas passou em primeiro lugar numa seleção simplificada do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para trabalhar por um período de seis meses, em Joaquim Nabuco. Com o salário de R$ 900, Jonas conseguiu, finalmente, juntar dinheiro e pagar o pré-vestibular que ele tanto queria. Foi quando se mudou para Recife e foi morar com sua irmã. 

“Eu já tinha colocado na cabeça que queria medicina e que não ia desistir. Às vezes batia a tristeza, principalmente em 2008, quando já não tinha mais condições porque estava sem trabalhar e o que tinha juntado já havia acabado. Eu dependia da ajuda da minha família. Passei muita dificuldade, cheguei a ficar sem dinheiro para pagar passagem de ônibus, mas não desisti. Foi quando fiz vestibular para medicina pela quarta vez e fiquei no remanejamento, em 2009”, relembra Jonas.

Em 2009, as esperanças se renovaram para o jovem de Joaquim Nabuco. Além de ganhar uma bolsa num curso de matérias isoladas, ele passou em um processo seletivo da Casa do Estudante de Pernambuco e passou a receber auxílio moradia, alimentação e odontológico. “Foi quando pude me dedicar ainda mais aos estudos e consegui a tão esperada aprovação. Como tinha colocado para a segunda entrada, ou seja, só começaria no segundo semestre de 2010, tentei outra seleção do IBGE para o censo de 2010 e novamente fui aprovado”, conta. Jonas trabalhou durante o primeiro semestre de 2010 e depois voltou a se dedicar exclusivamente aos estudos.

Embora já estivesse adaptado à vida na capital, Jonas passou por vários desafios antes e depois de entrar na universidade. “Eu sofri muito preconceito por causa da minha situação econômica. As pessoas criticavam as minhas roupas por não serem ‘boas como as delas’, por exemplo. Quando entrei na universidade eu perdi uma pessoa muito querida, um padrinho meu e tive que ter bastante força para continuar trilhando o caminho para a formação que eu tanto queria”, desabafou. 

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Foram anos de muito estudo e dedicação. Jonas vivia exclusivamente para sua graduação. Estudava por horas e horas todos os dias. “O início foi muito puxado, mas depois eu consegui me adaptar. O amor ao conhecimento foi o que me levou a chegar onde queria sem baixar a cabeça”, afirmou. 

Para Jonas, o ensino superior permite a você buscar cada vez mais o conhecimento, expandir a mente e dependendo da sua área ajudar as pessoas. O ensino superior te propõe se tornar um cidadão melhor, ter acesso ao conhecimento e mudar sua vida, além da recompensa financeira. Hoje, graças a Deus, eu consigo me manter aqui e ainda ajudar em casa.

Matéria integra a série "Eles acreditaram na edução", do LeiaJá. As reportagens trazem histórias de pessoas que conseguiram ascenção social por meio do ensino superior. A seguir, confira as demais matérias:  

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